Vivemos hoje uma verdadeira “crise de cuidados”, cujo sintoma mais evidente está na forma como, ingenuamente, damos valor absoluto aos recursos técnicos, assumindo uma atitude tecnicista despida de coração, que se revela no descuido, na indiferença e no abandono da vida mais vulnerável! Os exemplos são muitos. Podem ser vistos nas crianças famintas que perambulam pelos cruzamentos de nossas cidades, no aumento do número dos excluídos das benesses do progresso, no descaso para com os idosos, no modo utilitário e depredatório com o qual tratamos o meio ambiente e até mesmo nas instituições de saúde tecnicamente impecáveis, mas frias, desprovidas de alma e calor humano.

Felizmente estamos começando a ter exemplos de sensibilidade e solidariedade em relação ao cuidado da vida humana fragilizada pela doença e pelo sofrimento. Esse comportamento nos deixa esperançosos ao apontar que a essência da vida é o cuidado. Mas o que entender por cuidado? Essa expressão terapêutica vem do grego therapéuo, que significa “eu cuido”. Na Grécia Antiga, o thérapeuter era aquele que se colocava junto ao que sofria, compartilhando da experiência da doença para poder compreendê-la e, assim, mobilizar seus conhecimentos e sua arte de cuidar. Para compreender a doença, ele se interessava pela totalidade da vida do doente, inclinando-se para ouvi-lo e examiná-lo. Essa inclinação (klinos, em grego, termo do qual deriva a palavra clínica) significava também uma reverência e respeito ante o sofrimento do outro.

Crescer em sabedoria – Não considerar a pessoa apenas como um corpo, reduzindo-a à sua dimensão biológica pura e simples, é um grande desafio. Para tanto é necessário que se tenha uma visão holística, multi, inter e transdisciplinar do ser humano, que é um todo uno, mas também um nó de relações. Ser gente é possuir corpo, ter psiquismo e coração, conviver com os outros, cultivar uma esperança e crescer na perspectiva da fé e nos valores humanos.

Zelando e promovendo esta unidade, vulnerável pela dor e pelo sofrimento, seremos instrumentos fornecedores de vida digna. Quem cuida e se deixa tocar pelo sofrimento do outro se torna um radar de alta sensibilidade que se humaniza nesse processo, tendo, para além do conhecimento científico, a preciosa chance e o privilégio de crescer em sabedoria. Esta sabedoria nos coloca na rota de valorizar e descobrir que a vida não é um bem a ser privatizado, muito menos um problema a ser resolvido nos circuitos digitais e eletrônicos da informática, mas um “mistério” e um dom a ser vivido prazerosamente e partilhado solidariamente com os outros.

Cuidar, mais do que um ato isolado, é uma atitude constante de ocupação, preocupação e ternura com o semelhante. Uma conduta que sabe unir competência técnico-científica a humanismo e ternura humana. A ética do cuidado tem diante de si três grandes desafios:

1) o compromisso ético-político-ecológico de promover e defender a vida em todos os níveis (humana e cósmico-ecológica);
2) praticar a Ciência com consciência e ternura, aliando a competência tecnocientífica à competência ética nos âmbitos pessoal, comunitário, sociopolítico e planetário;
3) promover uma reflexão ética consistente, a fim de educar para resgatar os valores fundamentais que constroem uma vida humana saudável e feliz.

É urgente que nos reencantemos com a arte de cuidar. O futuro da humanidade e da vida no planeta dependerá de como responderemos a estes desafios. Neste cenário ninguém pode ficar de braços cruzados, pois estará simplesmente se autodestruindo.

Obs: Publicado Família Cristã 905 – Mai/2011

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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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