Patricia Tenório 1 de dezembro de 2016

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16/11/16, 14h40
Alex acordou cansado.

Do fundo da cama, no fundo do quarto de pensão, ele acordou cansado.

Pensou que havia sido a viagem de tantas horas de Bento Gonçalves a Porto Alegre, de Porto Alegre a São Paulo. Ou talvez fosse o medo do espetáculo que apresentaria naquela manhã no Theatro Municipal.

Bento Gonçalves já foi conhecida como Cruzadinha e Colônia Dona Isabel. Habitada por índios caigangues nos tempos imemoriais, abriu espaço, no final do século XIX, para a imigração européia, na maioria composta por italianos, assim como por alemães, franceses, espanhóis e polacos.

Em Porto Alegre, Alex percorreu as ruas à pé para sentir no corpo, absorver no corpo o espírito da cidade: a Praça da Matriz com a catedral e o Theatro São Pedro; o Parque Farroupilha – ou também chamado Redenção –, no qual as árvores foram arrancadas no vendaval de 29 de janeiro do mesmo ano; o Parque Moinhos de Vento, ou o Parcão. Comeu uma picanha gaúcha, que de gaúcha só tem o nome que os turistas trazem em suas bagagens e câmeras fotográficas de celular.

Ou quem sabe o cansaço fora em São Paulo, na visita ao Museu da Imagem e do Som, o MIS, com a exposição “Olhares sobre o México” de Frida Kahlo; do lado de fora do MuBE, o Museu Brasileiro de Esculturas, observou e aspirou o aroma de um ipê roxo em flor; na Fundação Ema Klabin com a feira das cidades refugiadas degustou os pratos típicos; no Parque Ibirapuera lembrou distâncias dos pampas da sua terra natal e conseguiu subir numa árvore frondosa e descansar; na Avenida Paulista em dia de feriado escutou a voz de um homem sem braços e pernas cantando The Power of Love; até chegar a segunda-feira e Alex pousar no palco do Theatro Municipal para o primeiro ensaio com a Maestrina.

Ouvira falar da Maestrina durante a seleção para a orquestra experimental. Na época, Alex usava um rabinho de cavalo e óculos de grau bem grossos por causa da miopia.

– Corte os cabelos.

– Use lentes de contato.

Os colegas do conservatório aconselharam e ele prontamente obedeceu.

– Ela é jovem.

– Ela é durona.

Ela é uma deusa do espaço, Alex assim previu, Alex isso sentiu quando a enxergou no meio do palco – os cabelos loiros trançados, o terno azul marinho e os sapatos de salto alto.

O Theatro Municipal de São Paulo foi inaugurado em 1911, construído pelo arquiteto Ramos de Azevedo e inspirado na Ópera de Paris. Foi marco inicial do Modernismo no Brasil por ter abrigado a Semana de Arte Moderna em 1922.

No início do espetáculo, Alex não conseguia tirar os olhos de Isabela – o nome da Maestrina. Ele tocava o violoncelo. Ela ministrava a batuta. E quando trocaram o olhar pela primeira vez, os outros instrumentos, os demais músicos, desapareceram todos para Alex.

Ele pensa que é somente de sua parte – aquela paixão platônica. Mas até Platão possuiu as suas deusas. Então Alex, balançando a cabeça de cabelos cortados, lentes de contato e a gravata fina do terno preto, começa a tocar tudo de si, a dar tudo de si para a sua deusa grega, para a sua Maestrina Isabela, que o conduz por caminhos nunca antes navegados da Aurora Australis de Alexandre Travassos.

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* Aos caríssimos professores e colegas do PPGL da PUCRS: infinita gratidão por alargar as minhas fronteiras em 2016…

** Patricia (Gonçalves) Tenório escreve prosa e poesia desde 2004. Tem dez livros publicados, O major – eterno é o espírito (2005), As joaninhas não mentem (2006), Grãos (2007), A mulher pela metade (2009), Diálogos e D´Agostinho (2010), Como se Ícaro falasse (2012),  Fără nume/Sans nom (Ars Longa, Romênia, 2013), Vinte e um/Veintiuno (Mundi Book, Espanha, abril, 2016), e A menina do olho verde (livros físico e virtual, Recife e Porto Alegre, maio e junho, 2016), traduzido para o italiano por Alfredo Tagliavia, La bambina dagli occhi verdi, publicado em setembro, 2016 pela editora IPOC – Italian Paths of Culture, de Milão.  Defendeu em 17 de setembro de 2015 a dissertação de mestrado em Teoria da Literatura, linha de pesquisa Intersemiose, na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, “O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde: um romance indicial, agostiniano e prefigural”, com o anexo o ensaio romanceado O desaprendiz de estórias (Notas para uma Teoria da Ficção), sob a orientação da Profª Dra. Maria do Carmo de Siqueira Nino, publicada em outubro de 2016 pela editora Omni Scriptum GmbH & Co. KG / Novas Edições Acadêmicas, Saarbrücken, Alemanha. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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