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Rebeliões nos presídios com todas as suas conseqüências de morte, insegurança social e dor têm sido matéria de destaque da imprensa, nestes últimos dias.
Estão na ordem do dia a reforma do Código Penal e a reforma do Sistema Penitenciário. Questões como “penas alternativas”, “Direito Penal mínimo”, agravamento de algumas penas e suspensão de outras já não constituem matéria de interesse exclusivo de juristas. Fazem parte do debate cotidiano. O Governo Federal propôs um Plano Nacional de Segurança Pública que recebeu apoios e censuras: apoios dos que pensam que uma resposta oficial estava sendo dada, em face das perplexidades do momento; censuras dos que avaliam que o plano é superficial, fundado em equívocos e incapaz de enfrentar com seriedade toda a problemática que envolve a segurança da sociedade.
Com a experiência de quase trinta anos de magistratura, a maioria desse tempo exercendo a judicatura criminal e, além disso, com a condição de pesquisador, nessa área, creio que não posso omitir minha palavra, neste debate tão importante.
Dentro do quadro que se coloca, suponho que dois livros nossos possam trazer uma contribuição: “Crime, tratamento sem prisão” (publicado em Porto Alegre) e “Uma porta para o homem no Direito Criminal (publicado no Rio), ambos circulando, nacionalmente, em sucessivas edições.
“Crime, tratamento sem prisão” é o relato de uma experiência de utilização de “penas alternativas”, numa época em que nem havia uma designação para a política judiciária de substituir a prisão por outras medidas menos coercitivas. Debrucei-me sobre casos judiciais (cerca de 300) ocorridos no decênio 1970-1980. Em todos esses casos, acusados ou réus receberam uma “oportunidade” da Justiça. A pesquisa só foi possível porque o pesquisador e o juiz eram a mesma pessoa. Como juiz, mantinha uma agenda diária na qual anotava tudo. A partir dessa agenda, já aposentado como juiz, fui verificar o que havia acontecido com as pessoas beneficiadas por medidas liberalizantes.
No Brasil é muito comum o “achismo”: eu acho que isso vai dar certo. Crime, tratamento sem prisão é o oposto do “achismo”. Como juiz, “apostei” numa experiência inovadora, correndo o risco de fracassar. Como pesquisador, com a colaboração de 16 alunos meus (que hoje são juízes, desembargadores, procuradores, promotores, advogados), verifiquei em que deu a inovação. A pesquisa seguiu rigorosa metodologia científica e comprovou que a experiência deu certo. O índice de reincidência foi baixíssimo.
Uma porta para o homem no Direito Criminal revela uma outra faceta do mesmo problema. Envolvido com casos criminais, procurei, no ofício de juiz, dar um desfecho humano aos processos. Não se trata de “pieguismo”, nem de ser “bonzinho”. Muito menos se trata de fazer “favores” com a lei. Trata-se de compreender que o encontro do réu com o juiz é um momento único. Qualquer juiz, cônscio de sua missão, pode mudar a rota de uma vida que se defronta com a Justiça Criminal, principalmente quando se trata de um réu primário, mas, em muitos casos, mesmo diante de um reincidente. Os casos abarcados pelo livro ocorreram dos anos 60 aos anos 80.
Contra a validade, quer de um livro, quer de outro, uma objeção séria pode ser levantada. Essa objeção consiste em afirmar que a realidade social sofreu uma transformação profunda. Uma política criminal que foi válida nos decênios 60, 70 e 80 do século que passou já não é capaz de enfrentar os dramáticos desafios da Segurança e da Justiça neste início de século, início de milênio. Não me parece que a objeção possa ser tida como procedente, sem mais exames. Seria necessária uma nova pesquisa, realizada com o mesmo rigor metodológico para invalidar as conclusões da anterior. Antes que essa pesquisa seja feita arrisco-me a lançar como hipótese que a realidade social mudou, mas os problemas de fundo permanecem os mesmos. A falência da prisão é comprovada pelos fatos do cotidiano. Diante do fracasso de uma política fundamentalmente repressiva, o caminho parece ser o de acreditar na pessoa humana, o de abrir esperanças, o de recusar sejam tratados como fera, quer os acusados (presos que não foram ainda julgados), quer os réus (presos condenados).
Obs: O autor é magistrado aposentado (ES), escritor, professor, palestrante.
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