ronaldo borges á tarde

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Encontro Borges sentado, o peito erguido, a fronte serena olhando o tudo, o nada.
Chego perto, toco com a mão direita seu ombro.
Ele nada diz, e sequer muda o rosto de prumo. Indiferente, continua.
Desajeitado, entre surpreso e atônito, descarrego a pergunta que me trouxe até ele:
– Qual foi o teu melhor achado literário, o Aleph ou o Livro de Areia?
Passam-se alguns segundos, beira a minuto e só então ele, volvendo o rosto distante em direção ao lugar onde estou, diz:
– Tudo bobagem, filho. Uma grande e dupla bobagem. Não há o Aleph e nem sequer o Livro de Areia.
E se cala. Segundos de sufoco (de minha parte) e ansiedade, num misto de desapontamento e perplexidade.
Passam-se uns três minutos e nada. Borges continua indiferente, distante, altivo e olhando ao longe. Sua mão direita quieta e serena sobre a bengala.
Então, digo: – era isso? Tudo literatura barata? Alopramento de um escritor? Viagem em ficção fantástica?
Ele nada diz. Continua mudo no seu mundo.
Volto a lhe falar:
– Mas, não tens idéia do que mudaste na vida de tantas e tantas pessoas?
Uma dupla frustração toma conta de mim. Uma, de saber que o ponto mágico do universo inteiro não existe e por também saber que a biblioteca de tudo o que já foi e ainda será escrito não é real. E a outra por não ver um Borges orador, senhor das palavras e da erudição, mas apenas um velho diante do seu fim.
Penso em apenas me virar e afastar-me lentamente. Já desenho essa imagem na minha cabeça. Então, como que adivinhando meu próximo passo, ele investe:
– filho, a pergunta que te trouxe aqui, espalhei-a em tantos dos meus escritos. Como um ponto imutável de destino e salvação. Tudo há, tudo existe e não existe. Vai depender sempre da tua capacidade de decifração.

Obs: Imagem enviada pelo autor (Ilustração: Borges, por Beti Alonso)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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