As gaivotas reinam, soberanas e elegantes, nas águas do Rio Tejo e do Rio Mondego, em Lisboa e no Porto, respectivamente. As ondas indo e vindo, as gaivotas na água, subindo e descendo, e, elas, paradas, disciplinadas, se deixando levar. Às vezes, no alto, se precipitam ante as águas do rio, para, com uma bicada, pegar um peixe miúdo que por ali passa, indo para lugar seguro a fim de melhor aproveitar o seu de comer.
O reinado das gaivotas se estende por muitos metros além do rio, imperando nos telhados. Do alto de um dos muros da Catedral da Sé, no Porto, vi a marca das gaivotas nos telhados próximos, num tom branco esverdeado, a assinalar a sua passagem por ali, sinal, na prática, a significar excrementos lançados, que, pela reiteração, acabam deixando sua marca bem visíveis. O telhado é das gaivotas, como o céu é do condor, poetaria Castro Alves, se tivesse ido a Lisboa e ao Porto.
Nessa parte, as gaivotas contam com a ativa participação dos pombos. Ah, dos pombos, que, na estação ferroviária do Porto, está escrito em algum lugar: Não alimente os pombos. Ou seja, os pombos que se virem, vão trabalhar, ganhar o pão com o suor do rosto. Ora, ora. Se assim a autoridade do Porto delibera é porque vê no pombo algo de indesejável, sem condições de combate, pelo número destes no centro histórico, cantando galantemente as pombas, dando vôos rasantes perante a multidão de turistas, mas sobretudo, como as gaivotas e com o consentimento tácito destas, defecando nas estátuas.
Do Infante D. Henrique, sem o menor respeito, deram a sua vasta cabeleira um tom esverdeado, numa cor que a indústria do tempo não trabalhava ainda. Mas, a grande e maior vítima foi Almeida Garret. Sua estátua, olhando para a Avenida dos Aliados, sentado, traz a marca da sua indignação ante todas as fezes que pombos e gaivotas, mais estes que aquelas, deixam cair. Foi a conclusão a que cheguei quando, me aproximando da estátua, vi Garret com o rosto voltado para o céu. Indignado, sim, com essas bonitas aves que, diariamente, durante a noite e o dia, cobrem, sem respeito algum, seu rosto de merda. Só pode ser.
Obs: Publicado no Diario de Pernambuco (em 20 de agosto de 2016)
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.