foto Aurelio Molina entrelaços

As vergonhosas ocorrências na assistência à saúde, denunciadas pela grande mídia nas reportagens “A Máfia das Próteses” (janeiro de 2015) e “A Quadrilha dos Marca-passos Cerebrais” (julho de 2016), revelam a deterioração da histórica relação entre profissionais/gestores de saúde e a indústria/comércio que interage com a “Arte do Cuidar e do Curar” (que tem um faturamento anual de mais de um trilhão de dólares). Infelizmente, além das citadas, muitas outras práticas deletérias aos indivíduos e à coletividade estão ocorrendo, tanto na produção do conhecimento quanto na sua divulgação e aplicação. Na produção do conhecimento são inúmeros os casos de pesquisas científicas (algumas famosas) que foram mal desenhadas (ou “bem” desenhadas para atingirem resultados “desejados”), maquiadas ou mal interpretadas para subsidiar “cobiçados” e lucrativos tratamentos e/ou ações (inclusive falsas prevenções). Na divulgação do conhecimento, setores comprometidos com o “lucro a qualquer preço”, seguindo o ditado “quem paga a banda escolhe a música”, muitas vezes financiam e/ou influenciam sociedades de especialidades, congressos e revistas científicas, palestras, “consensos”, campanhas publicitárias, currículos de graduação e até mesmo a escolha de dirigentes e professores, particularmente nas universidades “formadoras de opinião”. Assim, com os corações e mentes “dominadas”, científica e academicamente, fica mais fácil influenciar condutas. E o resultado dessas interações nefastas é uma grande quantidade de práticas hegemônicas, na assistência à saúde, que não tem base cientificamente comprovada e/ou não foram avaliadas do ponto de vista ético/bioético em relação ao custo/risco/benefício/malefício (individual e coletivo). Em verdade, existem suspeitas de agravos éticos que vão desde a solicitação de exames desnecessários (e caros), “indicação” de determinados laboratórios/clínicas de exames complementares, prescrição de onerosos medicamentos e materiais (com recebimento de “participações” e “premiações”) até duvidosas intervenções (inclusive cirúrgicas). Independente de não caber aos profissionais de saúde o papel de polícia, já que nosso único foco deve ser o de fazer o maior bem possível ao maior número de pessoas possíveis, necessário se faz lutar contra o mercantilismo que está orientando as atuações de alguns colegas, pois o “deus cifrão” não pode ser colocado à frente do Deus Esculápio. É impossível servir a dois senhores tão distintos e de valores morais tão díspares. Enquanto no setor saúde, o tratamento da doença (e não o estímulo ao não adoecer) for o paradigmático, pouca coisa irá mudar. Enquanto não for estabelecida uma adequada e justa carreira de estado para os profissionais da saúde, estes continuarão vulneráveis ao poder econômico. Enquanto o lucro, dentro do setor saúde, continuar se consolidando como a lógica e valor fundamental (e não o Humanismo e a Ética baseada no bem comum, na valorização e respeito, quase reverencial, ao fenômeno Vida universal e humana) mais distorções inaceitáveis irão acontecer, contribuindo também para a inviabilização do Sistema Único de Saúde. A crise é profunda e gravíssima. E os profissionais de saúde, e suas entidades, sozinhos, não conseguirão sair dela. Os éticos, humanistas, sérios e competentes ainda são a grande maioria. Mas precisam urgentemente de ajuda. Para o bem de toda a sociedade.

Publicado no jornal Diário de Pernambuco, página A2, 02/08/2016
Obs: O autor, Prof. Dr. Aurélio Molina, Ph.D pela University of Leeds (Inglaterra) é membro das Academias Pernambucanas de Ciências e de Medicina.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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