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Gostaria de morar numa cidade do interior, de preferência pequena, numa casa de varanda na praça principal, próxima a Igreja, praça que usufrua de bancos embaixo de árvores robustas, cujos galhos me garantissem sombra o dia inteiro, e se banco não tivesse, eu levaria um tamborete ou uma cadeira de minha casa, de preferência de balanço, para, despojado da camisa, me balançar e assistir a procissão diária dos que passam, dando vida a paisagem. Que fosse a casa na praça, faço questão, porque é o lugar mais importante, central, onde a cidade nasceu, em torno da qual as outras ruas se formaram.
Ah, se gostaria, sim, para me acordar de manhã cedo a fim de comprar leite, em alguma calçada, leite chegado a pouco de camionete, o freguês levando a vasilha, leite que a gente sabe de onde vem, sem discutir a sua pureza, se foi adulterado ou não pela água adicionada, dando bom dia a todos que se achegam as portas e janelas, parando, aqui e ali, para uma conversa mais demorada, a se constituir no primeiro noticiário da manhã. Depois, iria comprar pão para o desjejum da manhã, e, na padaria, novas conversas, para aumentar o apetite no retorno a casa, o cuscuz, ovos estrelados, pão com manteiga, café bem quente em xícara de alumínio, a me esperar em casa, sem a preocupação do colesterol, nome que riscaria do meu dicionário, para poder saborear o ovo estrelado diariamente. Após, após, a ida a praça, de palito nos dentes, sentar num banco ao lado de outros desocupados, para ouvir as histórias do lugar e mais novidades do dia, fofocas leves despojadas de brincos e batons, para encher o tempo.
E se a cidade tivesse um rio, tocando em alguma avenida, com balaustrada as suas margens, o muro baixo para se encostar, vendo o doce e permanente espetáculo das águas passarem, formatando ondulações a semelhar a um cabrito permanentemente pulando, rio raso, as águas deixando ver as pedras no leito, melhor ainda, porque seria o meu local do entardecer, na caminhada preguiçosa, o chinelo no pé, a camisa por fora e de botão aberto, para me igualar aos da terra, e, na calçada, para ver os últimos raios solarem alaranjarem o céu, deslumbrado com a paisagem do final do dia em toda a sua poesia e intensidade.
Numa cidade assim pequena e bucólica, de poucos habitantes, cercado de muita paz e colorido, grande parte dos moradores ancorada nas calçadas e nas portas, eu não morreria nunca. Mesmo que chegasse a hora, porque o momento final sempre chega, não precisaria de muita reza para ir ao céu, porque a cidade já era o paraíso, não tendo a minha alma o trabalho de voar para outras esferas, podendo continuar, pelos séculos e séculos adentro, a mesma trajetória repetitiva dos meus tempos de vida. Ah, se eu gostaria, e como!
Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.