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“Ver as coisas por fora é fácil e vão, porque por dentro das coisas é que as coisas são” (Carlos Queiróz, poeta português, 1907-1949). Com esse verso revelamos a farsa por trás das medidas de ajuste fiscal propostas por Temer e Meirelles ao Congresso Nacional nesse momento. Refiro-me a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional 241 que se associa ao Projeto de Lei Complementar 257, enviado pela Presidente Dilma Rousseff em março último.

A primeira proposição pretende que o crescimento do gasto público no país, pelos próximos vinte anos, esteja atrelado, pura e simplesmente, a um índice de preços, o IPCA, do ano anterior. Com isso, na prática, parte-se do pressuposto que nosso padrão atual de gastos é suficiente para promovermos o combate às desigualdades nacionais e regionais, por um país justo e desenvolvido. Não há nessas medidas contra o déficit público nada que fortaleça receitas, aproximando nosso padrão tributário dos países que praticam justiça fiscal e progressividade como Noruega, Finlândia, Dinamarca, Suécia e Alemanha, por exemplo. Não há nada que disseque a natureza das despesas, como se formam, evoluem e o que representam frente à desigualdade de renda vigentes no país.

Além disso, de forma diversa de seu objetivo principal, a PEC 241 em seu artigo 2º revoga as regras de outra Emenda Constitucional, a 86, aprovada em 2015. O que tais regras propuseram desde então? Uma progressão para a aplicação dos recursos públicos em saúde, partindo de 2017 para chegar a 2020 com 15% da receita corrente líquida, embora o projeto de lei de iniciativa popular defendesse 10% da receita corrente bruta. Assim sendo, ainda que inferiores ao “Saúde + 10”, por que se revogam as diretrizes para o financiamento progressivo da saúde aprovadas tão recentemente? Certamente para reduzir o tamanho do SUS e aprovar planos de saúde populares, como anda defendendo o atual Ministro da área, embora o financiamento da saúde esteja vinculado às receitas da Seguridade Social (artigo 198, parágrafo único da Constituição Federal de 1988) que, por sua vez, é superavitária (R$ 53,89 bilhões em 2014).

Já o PLP 257, para o alongamento da dívida dos Estados e do Distrito Federal com a União, restringe a expansão do serviço público, mas não impede os costumeiros aditivos de contratos com empresas fornecedoras ao estado e empreiteiras de obras públicas, cujos preços, muitas vezes, triplicam ao final dos serviços, e nem impõe limite às despesas financeiras, além de confessar que tudo o que a União receber dos estados e DF irá para o pagamento dos juros e amortização da dívida pública. Porém, em nada endurece o combate à grave sonegação.

Ora, ambas as medidas focam a redução do déficit, e o mesmo está presente na contabilidade de inúmeras nações, vinculado muitas vezes ao financiamento de projetos de desenvolvimento, cá entre nós sabe-se que a maior despesa pública não é com saúde, com educação ou com o pessoal civil e militar da União, cujo peso, como proporção da receita corrente líquida, está abaixo da metade do limite, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal. Basta conferir o Boletim Estatístico de Pessoal na página do Ministério do Planejamento, acessível em “publicações”. A maior despesa é com juros e amortização da dívida pública, 42,43% do tesouro nacional em 2015, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida Pública, www.auditoriacidada.org.br. E por que essa despesa e sua formação não são atingidas com o PLP 257 nem com a PEC 241? Por que então, para enfrentar o desequilíbrio entre receitas e despesas, Temer e Meirelles vão em direção contrária, propondo um pacote de ajuste que serve à acumulação do capital financeiro? São manipuladores de números, mas sabem muito bem o que querem, com suas medidas contra o desenvolvimento do país e o enfrentamento da desigualdade nacional e regional. Nada trazem de efetivo contra as reais causas do déficit, nada que desmonte as engrenagens do sistema da dívida pública e da atual política monetária que a alimenta.

Obs: O autor é professor da UFPE e integra o Projeto Raiz Cidadanista

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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