Páscoa 2014
No ano em que o golpe militar faz 50 anos tive a oportunidade de conhecer um lutador que sofreu na resistência. Padre Reginaldo me pediu: Visite o meu amigo Antonio Vieira que agora vive em Teresina com sua filha Lara!

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Na primeira visita eu sabia somente que ele tinha sido um grande educador. Mas o homem, idoso e doente, tinha dificuldade de falar. Na segunda visita encontrei sua filha Lara que luta com câncer de pulmão. Ela trouxe o pai lá de Belém para cuidar dele.

Sr. Antonio trabalhava com Dom Helder na OPERAÇÃO ESPERANÇA. Ensinava a ler e escrever homens do canavial, usando as PALAVRAS-CHAVE de Paulo Freire. Ele acreditava que a renovação da sociedade só podia nascer da educação. É claro que o seu trabalho não agradava aos donos da usina. No ano de 1973 – Lara tinha 5 anos – Antonio foi perseguido, quando andava em Recife, foi arrancado de dentro de um taxi e levado a uma temida prisão. Logo depois a polícia interrogou a esposa: Onde está o seu marido? Queriam fazer acreditar que o governo não tivesse nada a ver com o desparecimento. A prisão demorou sete meses: com torturas diárias. Depois de sete meses, já que Antonio não falava o que eles queriam, soltaram o sofredor. Ele tentou se refazer e perguntou: O que fazer agora? Foi para o Amazonas, onde trabalhou em três cidades na FASE, continuando na educação libertadora. A família não podia acompanhá-lo, mas sempre ficou em contato. Só depois de sofrer AVC e outras complicações é que ele aceitou que sua filha o levasse para a casa dela em Teresina. E assim, a fraqueza é amparada pela fragilidade. Mas esta é somente física, pois Lara, que terminou a segunda sessão de quimioterapia, ainda tem força para enfrentar o processo por indenização, contra o Ministério da Justiça. Este trabalho, que só faz abrir velhas feridas, ela só começou, porque precisa desesperadamente dos recursos para o tratamento do pai. E o que pode sair daí? Somente a “perda de ganho” pelo tempo da prisão. Imagine a lista de provas e testemunhas para apresentar. Dalí não sai uma palavra de consolo, e ninguém vai pedir nem desculpas.

Vejo no pai e na filha muita decisão, mas amargura não. Como é possível? Toda vez que falo no Padre Reginaldo e em Dom Helder, os rostos se iluminam. A OPERAÇÃO ESPERANÇA ainda tem esperança para dar. Lara não se entrega. De onde os dois tiram esta força?  Da memória, ou da fidelidade, que vive, como que de olhos fechados, da lembrança de melhores dias. Eles experimentaram que a gente pode encontrar a Deus ao seguir um portador de Esperança. A gente pode se encher de luz, ao ver os olhos de sedentos analfabetos, que aprendem as primeiras letras de uma vida nova. Isto é verdadeiro, se esta realidade volta um dia ou não. Do mesmo modo como existe o “vazio de Deus” para os Santos, existe também o vazio de ideais, como acontece hoje. O tempo da ditadura havia tirado muitos teólogos do recolhimento do seu estudo. A aflição do povo se impunha com poder. Durante os anos difíceis e ainda depois, a saída do Egito tinha dado passos importantes. Mas depois veio a decepção, a saber, da parte da Igreja. O que não terá sofrido Dom Helder no recolhimento em que passou seus anos de aposentadoria. A pesca era grande, e o barco não cabia a quantidade de peixes, mas os pescadores que vinham em auxílio eram mandados de volta. O Partido dos Trabalhadores, depois que veio ao governo, também decepcionou apesar de avanços. Lara se afastou da militância do PT. O pai continuou fiel ao que seu mestre o havia ensinado. Ele havia visto o sol; e na longa viagem através do escuro sentiu que este resplandece de verdade, embora fique invisível.

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Ao despedir-me de Antonio e Lara me sinto no dever. Deve haver alguém que se incline diante deste monumento vivo. Deve ter um Santo no céu que interceda por Lara: ela tem que viver.
Já perto da Festa das Festas, sinto uma alegria pascal diferente. Contida e cautelosa, ela surge como a aurora. (Dia de Ramos, 13 de abril 2014)

Obs: O autor é  Frade Franciscano, nasceu na Alemanha em 1940.
Chegou ao Brasil como missionário em 1964. Depois de completar os estudos em Petrólis atuou no Piaui e no Maranhão. Exerceu trabalhos pastorais nos anos 80 em meio a conflitos de terra. Desde 1995 vive em Teresina no RETIRO SÃO FRANCISCO onde orienta pessoas na busca da vida espiritual.

Imagens enviadas pelo autor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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