Para que servem as Igrejas? Para alguns, meio de extorquir os fiéis e ainda usufruir do privilégio de não pagar impostos. Para outros, modo de dispor de poder revestido de suposta auréola de santidade que tem, como fiador, o próprio Deus.
E há quem acredite que da cabeça de Jesus surgiu a Igreja tal qual a conhecemos hoje.
Igreja deriva do grego ‘assembleia’. É a comunidade dos que aderem à proposta de Jesus e acreditam que ela expressa a vontade de Deus.
Embora na atualidade as Igrejas se caracterizem por administrar sacramentos, promover cultos ou missas, e realizar supostas curas, assegurando aos fieis a salvação, não é isso que transparece na prática de Jesus descrita nos evangelhos.
O que vemos ali não é uma instituição, e sim um movimento que, dentro do reino de César, preconizava o projeto do reino de Deus. O de Deus não seria como o de César, onde os pobres eram explorados e pagavam pesados impostos; os doentes, estigmatizados como pecadores e impuros; as mulheres, subjugadas; e a riqueza tida como bênção divina.
O projeto de Deus se resume a uma única moeda com duas faces: no social, partilha dos bens; no pessoal, amor incondicional. É o que retratam os evangelistas.
Como exemplificam os Atos dos Apóstolos e as cartas de Paulo, ser cristão é se empenhar para que todos tenham acesso aos bens necessários a uma vida digna (“entre eles não havia necessitados”) e ser capaz de ver no outro, ainda que ele seja seu inimigo, a face de Deus (“amai os vossos inimigos”).
Em um mundo tão desigual como o de hoje, não há possibilidade de semear as bases do reino de Deus sem fomentar uma política que erradique as disparidades sociais e impeça toda exclusão, inclusive a que deriva de preconceitos e atitudes discriminatórias. Se a justiça é o alicerce da equidade social, o amor é a condição da liberdade na diversidade.
A sociedade da partilha (“todos terem vida e vida em abundância”) só virá como fruto da política fundada na justiça. E a atitude amorosa (“amai o próximo como a si mesmo”) é própria de quem livra o coração dos fardos do egoísmo e da ambição e acredita que, para Deus, o ser supremo é o ser humano.
Em síntese, a fé cristã sinaliza o horizonte utópico da política. E a política é, por excelência, a ferramenta de implantação da proposta de Jesus.
É preciso, porém, não confundir a fé com o fundamentalismo que sacraliza lideranças religiosas. Autoritárias, elas demonizam outras convicções religiosas, promovem a violência de culpabilizar a consciência individual na direção da servidão voluntária e incentivam cruzadas, inquisições e guerras “santas”.
A política feita em nome de Deus tem por objetivo, em geral, formar currais eleitorais para empoderar oportunistas que apregoam que Jesus é o Caminho, enquanto eles embolsam o pedágio…
O critério para saber se a política se rege pela ética evangélica é simples: ela busca, em primeiro lugar, os direitos dos pobres.
Obs: Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.
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