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Nosso modelo político carrega fortes marcas do patriarcalismo, do patrimonialismo estatal, do machismo, da segregação racial, do famoso “jeitinho brasileiro”, além de heranças da ditadura militar.
Tudo isso associado aos interesses de grandes grupos mediáticos e empresariais, fazendo com que a política sofra ataques mortais e, muitas vezes, vire mercadoria em um balcão de negócios.
A propósito, Sérgio Buarque de Holanda, na obra “Raízes do Brasil” (2003), apontava nossa secular incapacidade de separar o público do privado; uma inclinação que se faz passar por natural, uma tendência que sustenta a lógica clientelista.
O atual sistema político brasileiro conserva e reproduz sérias distorções. Como exemplo, cita-se a desproporcionalidade de representação social e étnico-racial em cargos eletivos.
Dos 594 parlamentares (513 deputados federais e 81 senadores) eleitos em 2010, apenas 43 (7,23%) declararam-se negros, sendo que pelo censo de 2010 do IBGE, 51% da população brasileira é negra ou parda. No Congresso não há representantes indígenas.
O número de representantes das classes mais pobres, das mulheres, de trabalhadores rurais e urbanos e de jovens é muito reduzido, enquanto que os empresários e ruralistas possuem 433 deputados. Portanto, a composição dessa casa legislativa não retrata a sociedade brasileira.
Outras grandes distorções dizem respeito ao financiamento de campanhas, à corrupção na política e ao apequenamento da política. Nesse sentido, nos últimos anos foram dados alguns passos importantes. Em 1999, houve a primeira Lei de iniciativa popular, nº 9.840, que trata do combate à compra de votos e uso eleitoreiro da máquina administrativa.
Em 2010, também por iniciativa popular, criou-se a Lei Complementar da Ficha Limpa. A mesma visa impedir que candidatos com condenação na Justiça concorram a cargos eletivos. Porém, o modelo político não se restringe ao sistema eleitoral e não é suficiente elaborar leis; elas precisam ser cumpridas.
Dentro do modelo político está uma série de barreiras que impedem a reforma agrária, tributária, fiscal, no judiciário, etc.
Um dos mecanismos para ampliar a democracia direta, previsto na Constituição de 1988, é o plebiscito. E já foram realizados diversos. Em 2000, houve o plebiscito popular sobre a dívida externa brasileira; em 2002, acerca da ALCA e Alcântara; em 2007, sobre a anulação do leilão de privatização da Companhia Vale do Rio Doce; em 2010, pelo limite da propriedade da terra. Embora sem caráter oficial, tais plebiscitos são exercícios de diálogo popular sobre temas complexos que dizem respeito aos interesses da sociedade.
O plebiscito popular por uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político, a ser realizado de 01 a 07 de setembro deste ano, nasceu a partir das manifestações sociais de junho de 2013.
A ideia foi sugerida pela Presidente Dilma Rousseff e encampada por mais de 100 entidades. Trata-se de um instrumento politizador, na medida em que permite discutir a estrutura do estado brasileiro e o sistema político vigente.
O resultado do plebiscito será um importante indicativo da vontade popular e poderá pressionar o Congresso Nacional a convocar uma constituinte exclusiva com a finalidade de elaborar as reformas necessárias no sistema político.
Portanto, a ação fundamental nesse momento é a mobilização a fim de maximizar a participação popular para o plebiscito. Mas, a tarefa não se esgota aí. É imprescindível seguir a luta para definir que pontos reformular, eliminar ou incluir no sistema político.
É preciso uma reforma estrutural da política para qualificar a democracia e garantir mais justiça social e econômica. Para tanto, outro grande desafio que se nos coloca é a reeducação política sob os parâmetros da ética, da igualdade de direitos e do respeito ao bem comum.
Não obstante tenhamos avançado na consolidação da democracia nas últimas décadas, ainda estamos muito longe do ideal. Trata-se agora de produzir uma grande reforma política.
Uma reforma para fortalecer a grande política, a Política com “P” maiúsculo, em detrimento da malfadada política pequena, das negociatas, da corrupção, do clientelismo, da mercantilização, enfim de toda carga negativa que faz com que muitos fiquem apáticos ou tenham nojo da política.
Certo é que a grande reforma não será feita pelos “grandes”; se for feita alguma reforma por eles será para fortalecer seus interesses. As reformas da grande política deverão ser forjadas pelo povo organizado e consciente de seus direitos. ( 23.07.14)
Publicado em IHU
Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia