1 de setembro de 2016
- Na igreja onde, aos 13 anos, participava de atos religiosas, uma prece me chamou a atenção, a ponto de recordá-la até hoje: “a ingratidão nos fere e nos magoa, dela nos queixamos amargamente; fazemos depois com Deus, o que reclamamos das criaturas”. Aqui, pouco importa a concepção do autor sobre a divindade, humana e carente: o centro parece ser a dupla constatação de insensibilidade, manifesta na ausência e na cobrança da gratidão, mesmo se gratuidade possa provocar, mas nunca exigir retribuição.
- É comum afirmar que o instinto de sobrevivência é indispensável para garantir da vida; que a reprodução é indispensável para a continuidade da espécie; e que ninguém é feliz se não tiver o reconhecimento social. Porém, a dimensão da sensibilidade é omitida e até combatida, mesmo que esteja presente e seja vivida, inclusive no absurdo. Assim, não é possível negar que a sensibilidade é constitutiva dos humanos e que cultivar essa dimensão não é exclusiva de jovens ou adultos, de mulheres ou de homens.
- Sensibilidade é afaculdade de captar estímulos, internos e externos, através dos sentidos. É também a capacidade do ser humano de contemplar o que de belo se passa em si e a seu redor. Mas, sobretudo, é a “antena” que percebe e promove o que torna outras pessoas contentes e realizadas. Uma forma de diminuí-la é acusá-la de ser dominada por impressões, paixões, emoções, suscetibilidades… que seriam simplismos que conflitam com os ditames éticos e com a razão. (Embora tudo isso, às vezes, possa ser verdade).
- A sensibilidade é inata, mas pode ser embotada. No processo de educação, seja na família, igreja, escola e sociedade a ternura foi confundida com “fricote”, o cuidado com “piedade” e o sentimento com romantismo. O modelo era mostrar-se objetivo, racional, insensível… não admitir dor, moleza, limites…. Por que perdura o preconceito sobre a sensibilidade? Será porque ela é a palavra final nas nossas escolhas ou porque o poder de decidir deve continuar “propriedade” de uma casta, religiosa e/ou política?
- A sensibilidade é um processo e um cultivo que carrega possibilidades e contradições. Passa pelo trato do egoísmo e a prática de valores da solidariedade. Visionários, profetas, artistas, poetas… sofrem mais porque vislumbram realidades que gente “grossa” não vê, não sente, não aprecia… Vale lembrar que quem afia habilidades de sentir, afia também o modo de melhor ferir. Por isso, admiráveis são as pessoas que, mesmo feridas, guardam a sabedoria de suportar a ingratidão e a sublime vingança de seguir orientando-se pela justeza.
- Sensibilidade não é sinônimo de fraqueza, é sinônimo de humanidade. Quem tem sentimento e coração batendo no peito, vai repetir com L. Boff: “Se sentires a dor dos outros como a tua dor, se a injustiça no corpo do oprimido for a injustiça que fere a tua própria pele, se a lágrima que cair do rosto desesperado for a lágrima que você também derrama, se o sonho dos deserdados desta sociedade cruel e sem piedade for o teu sonho de uma terra prometida, então, serás um revolucionário, terás vivido a solidariedade essencial”.
- A insensibilidade, causadora de muitas dores, em pessoas queridas, não se apaga com pedidos de perdão. Perdão exige reparação do mal feito, o que nem sempre é possível. Refletir sobre o tema pode ser a chance de reconhecer minha miopia e suas raízes e, junto com isso, quebrar o círculo vicioso da insensibilidade. Não basta tentar negar ou explicar se nossas atitudes e ações foram feitas de forma consciente ou inconsciente, ou se foram entendidas de forma justa ou equivocada – é imperativo assumir nossas escolhas.
Obs: Imagem enviada pelo autor.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.
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