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Já estava no último ano do curso de Direito, advogando algumas questões singelas, quando o Código de Processo Civil de 1973  entrou em vigor. Ouvi, então, a observação que o Juiz da Comarca fazia, tendo um  velho advogado, que lá militava, como alvo, o tom de ironia bem transparente, a atroar que se o dr. Fulano não sabia ainda o Código de Processo Civil de 1939, que morria, agora, com o novo diploma, é que iria se atrapalhar todo. De minha parte, na insignificância de acadêmico de direito, me limitava a ouvir. A conversa não era entre índio.

O Código de Buzaid teve vida curta, atingindo apenas quarenta e três anos de vigência,  batendo no anterior, precocemente falecido aos trinta e quatro anos de idade. O de 2015, com seu ranço de leite, cercado de muitas fraldas, entrou em vigor, trazendo novidades, extinguindo alguns procedimentos, na tentativa de se mostrar eficiente. Afinal, o anterior já se apresentava com o casco mui remendado, a exigir, portanto, um invólucro novo, de acordo com o tempo e técnica dos dias atuais.

O juiz aludido está na inatividade há muito tempo. O advogado referido faleceu já afastado da militância dos foros. O promotor, a quem o magistrado se dirigia, também já embarcou para a terra dos pés juntos. Afora os serventuários de Justiça, que não viviam o problema da mudança de uma lei processual civil para outra, eu, entre os ouvintes, sou o único sobrevivente na ativa, na ressurreição de uma assertiva pronunciada exatamente há quarenta e três anos atrás, que, embora dirigida a um advogado,  me pega agora de cheio, quando, em plena atividade jurisdicional, coloco no canto um código de processo para me curvar a outro.

Se em 1973 não senti nenhuma preocupação, porque não me cabia conduzir o feito e decidi-lo, agora a situação factual é outra, porque só temos em mãos, até o momento, feitos iniciados sob a vigência de um código, o anterior, cujos recursos vão ser decididos, em segundo grau, na pérgula do atual, sem esquecer que, em muitas matérias, como, v. g., fixação de honorários advocatícios, o finado código ainda continua sendo aplicado.  Em verdade, só quando tivermos para julgamento de recursos demandas iniciadas depois da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, é que o anterior estará, enfim, morto e sepultado, circunstância que, aliás, vai demorar e muito. Enquanto isso, mesmo revogado, o Código de 1973 se manterá bem vivo, como um bom morto que ainda respira e dá ordens, ante os atos praticados em sua vigência, como se não fosse de seu interesse se desapegar de suas crias.

A verdade é que a atrapalhação, que o velho advogado podia naufragar,  vaticinado pelo Dr. Juiz da Comarca, se transformou em fantasma que tenta me assustar diariamente, me deixando preocupado com  os caminhos novos e desconhecidos a percorrer sob a égide da nova lei. Fico de atalaia, um olho nos autos, outro nos dois códigos, para, afinal, não cair na armadilha da atrapalhação.

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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