Deborah Viégas 1 de setembro de 2016

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Tenho estado inquieta, fiz certa bobagem com Ricardo, gostaria de recompensá-lo de alguma forma, mas minhas palavras são fracas, pobres e murchas. Não tenho criatividade o suficiente para criar nem mesmo ações inesperadamente belas. De qualquer forma, eu só queria estender minhas mãos e lhe entregar um sorriso. Tivemos brigas bobas e, sempre que isso acontece, nós terminamos em gritos por expressar aquilo que nunca quisermos dizer um ao outro. Desta vez, a culpa foi minha, ele odeia ser julgado. E, quem gostaria? Logo depois de discutirmos, eu fecho a porta de sua casa com força proposital, o que ele nunca soube é que eu sempre fico exatos 5 minutos a espera que ele possa, eu não sei, abrir a porta talvez? Desço as escadas, são 3 andares, atravesso a catraca da portaria de seu prédio rústico, viro a esquerda e caminho em direção à livraria. É bela! Como é bela e como, em minhas raivas e desperdícios emocionais, eu consigo me sentir melhor dentro deste imenso mundo de estórias. Pego em minha bolsa 3 livros, sim,  são 3 livros que no mínimo eu carrego, pois tenho esta mania de ler diversas quantidades ao mesmo tempo e raramente conseguir finalizar um. Eu não sei, há momentos para cada uma das histórias, eu acredito, e olhe que eu acho pouco limitar 3 momentos em 24 horas. Sento em uma das confortáveis cadeiras e começo a mergulhar em um texto sobre psicanálise deveras curioso e interessante. Desta vez, eu não dou nem mesmo uma olhada nos livros, pois acabaria carregando 3 livros adicionais junto a um cartão de crédito à mão. Já faz duas horas, chequei o meu celular. Nenhuma ligação. Sigo em direção à saída, mas como de costume minha resistência é fugaz, embora sempre perca no final. Percorri por centenas de moleskine’s, mas uma delas me chamou maior atenção, era de Star Wars e, nossa, Ricardo ama Star Wars… Tinha Darth Vader em sua capa e dizia: “Don’t underestimate the force” (Não subestime a força). Era maravilhoso, ele iria amar, mas… Era uma pena, pois eu não podia comprá-lo, não tenho nenhum centavo e nem mesmo o cartão de crédito, logo percebo. Coloquei-o de volta e segui rumo a saída, abraçada com meus originalmente 3 livros. É essa coisa de destino e sinais que se tornam, certas vezes, impossível de não acreditar. Logo quando eu estava perto da porta, lá estava ela, acho que criou pernas e percorreu toda a livraria em minha direção. Na verdade, eu imaginei isso por uns 2 minutos e sorri acerca de meu péssimo humor. Era isso e só podia ser, alguém estava me dizendo que eu deveria levá-lo, pois que mal há? 45 reais em uma caderneta, eles só poderiam estar pedindo que eu a roubasse por culpa de total desrespeito ao consumidor. Pois, então, mandei o dono da livraria para o inferno e, é claro, que eu imaginei tudo isso, mas não importa, pois minha consciência de instante está limpa. Ponho-a em meio aos 3 livros, meu coração palpita a cada mais um novo passo, a livraria já está perto de fechar, ninguém olhando, ninguém na portaria, todos loucos para largar… Atravesso a porta, o coração acelera gradativamente até eu chegar ao estacionamento e entrar no carro. Missão completa, o aceleramento do coração realmente é algo emocionante. Sinto-me de alguma forma feliz e com uma autoestima revigorada. Que sentimento! Conheço-os ladrões admiráveis, sei o quão mágico é o sentimento que lhes causa e por isso não conseguem parar. Eu gostaria de ser tão esperta como vocês, mas acho que me limito a uma gatuna na livraria e está de bom caso, só desejo livros e mais amor. E por ser o amor o culpado por tornar-me uma ladra de livros, pois que seja este julgado. Resumo da ópera: eu cheguei à casa, Ricardo estava lá, meio abalado, meio tristinho, me olhou sério. Eu cheguei perto dele, de seu rosto e de seus lábios, peguei em sua mão e pus a caderneta em cima da mesma. Ele olhou, deu meio sorriso e tratou como se o meu roubo fosse algo tão pequeno e desnecessário. Retiro os livros, aperto forte em sua mão e digo de forma sucinta:

-Eu quase fui presa por querer lhe dar um presente, não vai nem mesmo agradecer?

-E acha que uma caderneta vai resolver os nossos problemas?

-Não, eu não acho… Só não sou boa com as palavras.

-Você é ótima com as palavras quando deseja magoar.

-Não, eu não sou. Eu… Sim, é verdade.

-…

-Peço desculpas pelas falsas palavras, nunca quis dizer nada disso, mas aceite a caderneta como uma oferta de paz. Eu só pensei em uma forma de lhe trazer um sorriso, pois ao trazê-lo dinheiro nenhum custaria a felicidade que isso iria me trazer.

-Tá vendo só que você é boa com as palavras?

Abraçamo-nos, nos beijamos, fizemos amor.

Fazem 6 meses que Carla não atende ao meu telefonema, não nos falamos desde a última briga. Deve ter sido o estopim, agora eu sei, agora eu entendo e como dói entender quando já é tarde demais. Ao caminhar, esbarro de frente a uma enorme livraria. Não sou muito de ler, tenho minhas literaturas específicas e se diferenciam bastante do gosto dela. Não demoro muito, pois entro e percorro por estes milhares de livros. Bom, devo admitir, é mesmo admirador e ao mesmo tempo assustador. É livro demais! Minha vida inteira poderia passar, eu lendo mesmo que 1 livro por dia, ou até mesmo 3, e eu não iria ler tudo isso. “Assustador”, concluo. Não sei o que Carla se maravilha tanto com isso, ainda mais se ela gosta tanto assim de ler. Sigo em direção à saída, foi mesmo uma péssima ideia. E então vejo a caderneta. Sim, igual a que Carlota me presenteou. Roubado, eu sei, mas foi um presente e significativo. Lembro-me de ter até mesmo ter discutido com ela. “Mas como você faz isso? Roubar? E se fosse pega, imagina o escândalo?” Ela sabia que eu faço o tipo certinho e, quanto a ela, nem tanto. Sempre foi mais audaciosa, sem pensar antes de agir. Mas, é isso na verdade que sempre me atraiu e ela nem mesmo sabe disso… Nem hoje, nem agora. Neste dia, acabamos aos gritos, ela fechou a porta com força. Pensando bem já fazem mais de 6 meses, e fiz todas as anotações e só tenho guardado para pesquisas necessárias ou, de certo, aleatórias. Quem sabe se… Não, nunca eu faria isso. Mas, por que não? Penso, pois, que não há nada a perder e de qualquer forma eu posso dizer que pensava já ter pagado. Pediria perdão, alegaria sofrer de Alzheimer. Seguro a caderneta, pego em uma caneta que guardava em meu bolso e começo a anotar, como se fosse minha, como se não me importasse e nem mesmo me preocupei em olhar se viria alguém. Meu coração acelerava, este é o momento que eu já não posso voltar atrás, seria muito pior. É melhor arriscar, por que não? Logo quando eu atravesso a porta, gradativamente meu coração acelera e de repente escuto um alarme, baixinho, mas era um alarme. Não sei o que houve, mas não consegui me mexer. Estava estático:

-Ei, senhor? Acompanhe-me, por favor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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