FOTO Deborah nova 1

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Eu estava acompanhando o desenrolar de minha rotina. De certo, ela permite que eu sente na mesma cadeira às 16h42 minutos quando o metrô retorna. Devo percorrer 20 passos largos desde o 2º telefone público da estação. Nunca contei a ninguém, mas a mesma cadeira sempre está disponível quando dentro desse contexto.

O meu assento.

Bom, eu já estava no 123ª dia quando iniciei o novo trajeto. Promoveram-me como gerente da única livraria da cidade. Nada, até então, havia acontecido fora do normal. Diversas observações minhas passam despercebidas por pessoas que correm demais sobre ruas intercaladas de acontecimentos visionários.

Deixa passar…

Lá está ela! Bem na minha frente… Uma moça, após embarcar na próxima estação, senta-se à frente. Ela segurava em suas mãos um livro, tentei o ler e, com dificuldade, associei a algum livro de Katherine Mansfield. Usava um vestido branco, o tecido percorrendo até o início de seus joelhos… Tinha um cabelo longo, cacheado e ruivo. Deveria estar próxima a realizar seus 17 anos e, eu digo, tentou, tentou desfrutar de seu livro. Mas, a garota… Katherine, a chamarei de Katherine, pois assim – ela não havia tomado conhecimento sobre o pior horário para se andar de metrô. Oh, pobre Katherine. Deveria ser viajante de primeira bagagem. Percebi, de instante, que o sol rebatia constantemente nas maçãs de seu rosto. Não satisfeito, o sol contestou e luzes piscavam sobre os seus olhos entreabertos e fixos por uma leitura, arrisco dizer: desconfortável. Eu sei, aquilo estava sendo um desastre mediante a um de seus momentos favoritos. Fechava e abria o livro por um movimento incessante, daqueles que necessitamos a fim de anular qualquer grau de ansiedade. Além disso, havia as suas pernas que, por ora, estavam visivelmente agitadas.

Continuei observando-a.

Katherine, já não aguentava mais, ofereceu o seu assento a um senhor. Ele, por ironia, o recusou. Foi quando ela também reparou que este era apenas um daqueles que pregam a palavra do Senhor. Pobre Katherine. Há de ser mesmo viajante de primeira bagagem! Zé Carlos recita a palavra de Deus toda quarta-feira, seguimento pelo qual sua igreja arrecada semanalmente esse dinheiro para a suposta manutenção.

Ah, minha deixa é aqui.

Sob o 123º dia e, por um descuido intencionado, esqueço em meu assento um livro de bolso. Decorreu em mim, uma vontade permanente de reservar o lugar à moça. De repente, Katherine arregala os seus olhos. É mesmo uma pessoa gorda, mas não por uma ordem física: alguém esfomeado por livros. Torci para que ela não o quisesse me devolver. Levantei-me rápido…! Nem se quer disse Adeus.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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