foto josue voeira

Há um movimento em cena no campo da Criação Literária e no Ensino Escolar de Literatura forjado na zona cinzenta da vida criativa e nos mercados de difusão artística literária. Esse movimento não é novo, nasce da mais antiga manifestação do Ser no mundo, nasce do Ódio. A Censura carrega o Ódio desfiado nas atitudes humanas em Sociedade ingredientes provocantes da aversão, da desconfiança, da fragmentação do tecido social, da solidão e da seleção filial de grupos com grupos, de humanos com humanos, de humanos com grupos.

Assim como o Aborto e a Eutanásia, o ato de Censurar é uma atividade de selecionar os melhores, os mais aptos para o ambiente intelectual e social pelo caminho do “Proibido”, da Dor. Uma consciência social proibitiva que carrega a Dor que liberta, uma espécie de liberdade parental, condicionada às formas de filiação eletiva. Ou como se diz no beco “é meu peixe” então ninguém mexe por conta do “eleito” possuir imprimido, como tatuagem, um pouco do ectoplasma do “Manda-chuva”.

É o que pensam os universitários de algumas prestigiosas academias norte-americanas ao recomendarem junto a suas coordenações de curso a não leitura de obras que “fazem mal”, que são “perigosos ao bem-estar mental”. Na Universidade de Columbia (Nova York), um grupo de estudantes pediu a direção para censurarem a leitura de “Metamorfoses”, de Ovídio, por conter cenas de violência, incesto, traição, suicídio. O pedido foi rejeitado, mas no percurso continuo de outros pedidos este foi um dos mais simbólico dentro do contexto.

Em Setembro de 2015 a Revista Aeon publica o artigo “Books are dangerous” (Frank Furedi) sobre a ideia desses “livros perigosos” que os universitários pedem para não lerem, nessa matéria elenca os livros que são “perigosos para saúde mental”, dentre eles estão “O Grande Gatsby” (F. Scott Fitzgerald, 1925), por incentivar a violência domestica, “Mrs. Dalloway” (Virginia Woolf, 1925) pela intensa argumentação que pode levar ao suicídio, assim como “A piada infinita” (David Foster Wallace, 1996), por conta de que seu autor se suicidou, e “O mundo se despedaça” (Chinua Achebe, 1958), por conta do conteúdo que pode motivar instintos racistas (link: https://aeon.co/essays/contagion-poison-trigger-books-have-always-been-dangerous).

Na Revista Atlantic meses antes da publicação na Revista Aeon, é publicado o artigo “The Coddling of the American Mind” (Greg Lukianoff e Jonathan Haidt), ao qual apresenta a seguinte conclusão sobre esse movimento censor: “em nome do bem-estar emocional, os estudantes universitários exigem uma proteção cada vez maior em relação a palavras a ideias de que não gostam” (link: http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2015/09/the-coddling-of-the-american-mind/399356/)

Em tempos onde a ONU recomenda o aborto em caso de Zika, a Censura se torna mais um braço social desse movimento global que envolve o Totalitarismo, o Aborto permitido, a Eutanásia, o Reacionarismo racial, a Intolerância Religiosa, o Estado Islâmico, os Partidos europeus de ultradireita, Trump, Bolsonaro e outros mais que manipulam a ideologia conversadora com a finalidade de segregar, de eleger o “Povo de Deus”.

Quando esse movimento desce para os Trópicos observa-se uma apropriação anônima motivada pelo grande levante conservador advindo dos defensores de valores morais da família, do “homem e mulher de bem”, mas na verdade é uma outra engrenagem a serviço da segregação social e de crivar sujeitos para o posto de “Eleitos”, uma tecnologia silenciosa que age em nossa compreensão de mundo e do alheio, é a inovação do velho choque de classes.

Relembrado: o choque de classes entre Ricos e Pobres, em sua totalidade, ficou para trás, na brasa fria do Século XX, estagnou num momento da História em que o maior fundamento dos conflitos era a distribuição das riquezas entre as Classes. Hoje como vivemos numa pluralidade política e social, num momento histórico em que resgatamos o humanitarismo perdido no meio da rua e como tendemos a reformar os caminhos de acesso às riquezas, é que esse antigo choque de classes volta reinventado na fornalha contemporânea do reconhecimento social e da afirmação identitária, assado na brasa fria do Século XX.

O reconhecimento social e a afirmação identitária que deveriam ser os pontos de consolidação da Democracia na Sociedade parecem distantes de suas funções originais, longe dos atores e das redes sociais que a merecem. Simplesmente porque os que vestem a rota capa dos conflitos econômicos entre classes e se validam como defensores dos valores morais e éticos não querem de jeito algum ter um semelhante que “veio de baixo” e “conquistou” uma posição relevante na Sociedade. E, por meios legais, faz valer sua condição de Ser, faz valer sua posição diante de seus fraternos pela valoração de suas preferências sociais e filiais.

A afirmação identitária é vista, neste caso, como uma bola de ferro presa na perna da Democracia, vale como empecilho unificado, sua validação é vista como prejuízo para os cofres públicos. E o Reconhecimento social é sufocado ao ponto da alienação, na aceitação da política do “reconhece teu lugar”, construindo a imagem cênica de que “muitos devem” sentar no canto da sala enquanto “poucos merecem” usufruir a vida de frente para o mar.

É a Censura estimulada pela jovem elite universitária norte americana que desce aos Trópicos pelo braço do Reacionarismo, da Intolerância Religiosa, do Racismo à latina o movimento coetâneo que resume toda essa atmosfera intelectual e social que opera o Ódio como fundamento de seleção, cria uma espécie de “mal-estar” por uma conduta infantil do pensamento único; há na verdade hoje quando a Censura retorna pelos braços do “Povo de Deus” uma cristalização da infantilidade, uma infantilização do sentido de “alheio” em três categorias, o político, o religioso e o moral.

Há uma lista à brasileira que circula entre os “bons de coração” que pode alienar e provocar o desequilíbrio intimo capaz de abrir as portas do Lar, do Coração e da Mente para o “Inimigo”. Nela constam “Macunaima” (Mario de Andrade, 1928), “Tereza Batista, cansada de guerra” (Jorge Amado, 1972), “A Bagaceira” (José Américo de Almeida, 1928), “Canaã” (Graça Aranha, 1902), “Feliz Ano Novo” (Rubem Fonseca, 1975), “Dois perdidos numa noite suja” (Plinio Marcos, 1966), “A teus pés” e “Inéditos e Dispersos” (Ana Cristina Cesar, 1982 e 1985), que por sinal sua autora pertencia a uma família de classe média e protestante, filha de Waldo Aranha Lenz Cesar, fundador da Editora Paz e Terra, mas por conta de seu suicídio aos 31 anos entra nessa lista gigantesca que exclui quase todo cânone da recente Literatura Brasileira.

Essa espécie de “Index Librorum Prohibitorum”, similar àquele que circulou na Idade Média, circula usualmente entre o “Povo de Deus”, que faminto deglutem o “maná” dado pelos intelectuais orgânicos da Fé e de Votos. Nesse momento tomar uma posição contraria a esse movimento intensificará mais a “caça às bruxas” no cânone da Arte Literaria. Uma postura aceitável é o dialogo com a finalidade de encontrar o ponto conciliador entre leitores, pois no fundo quem perde somos todos nós. Então, estamos aptos a um dialogo que crie oportunidades e não contrários? (11/02/2016)

Obs: O autor é “Professor universitário, Crítico literário, Escritor. Escreve regularmente nesta revista sobre Contra-Racionalidades, Complexidade e temas pertinentes aos modos de Existir”

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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