Essas últimas semanas têm sido generosas para os devotos e devotas de todos os santuários e devoções: beatificação de Nhá Chica, a santa dos mineiros… canonização dos 800 Mártires Italianos… e hoje (13 de maio), festa de N. S. de Fátima. Santos e Santas para todo gosto e necessidade, do jeito que costuma ser a prática religiosa do povo cristão, sobretudo católico, com relação aos Santos e Santas do calendário anual, agora acrescido de novas e belas figuras, que nos falam da fidelidade da fé e, no caso da Beata brasileira, da solidariedade com e entre os mais pobres e necessitados.
Como se tem expressado a devoção aos 800 Mártires italianos, ontem canonizados por Papa Francisco, não sei… A respeito de Nhá Chica, o que se viu e ouviu pelo farto noticiário do rádio e da TV, dizia respeito, sobretudo, a graças alcançadas, a milagres realizados e à procura confiante dos devotos por mais graças e milagres… Sobre sua vida e o que ela revela como testemunho evangélico, sobretudo, sua preocupação e seus cuidados para com a gente sofrida, descendente como ela de escravos, mais que agraciada pela alforria do 13 de Maio de 1888, herdeira da miséria… sobre esse traço evangélico de sua vida repito, de tanta atualidade ainda hoje, bem pouco foi noticiado. Por sinal, o bispo que presidiu a missa no Santuário Nacional de N. S. Aparecida, no domingo da beatificação de Nhá Chica, sequer se referiu ao evento e ao significado pascal da vida desta “pequenina” a quem o Pai revelou segredos que oculta aos sábios entendidos.
E a comemoração mariana de hoje?… No contexto da 1ª Guerra Mundial, Maria, Mãe do Senhor, aparece a três pastorezinhos, em Fátima, Portugal: 13 de Maio de 1917! O recado mais significativo da Mãe do Senhor talvez tenha sido a insistência na reza do Rosário “para a guerra acabar!” O Recife tem a honra de abrigar o primeiro santuário em honra de Maria, sob o título de “N. S. de Fátima”. As 24 horas do dia de hoje não serão suficientes para as manifestações todas da devoção popular a N. S. de Fátima, neste e nos muitos santuários a ela dedicados por toda parte. A tônica do que se ouve e vê pelo radio, pela televisão, pelos jornais, será sempre a mesma: gratidão por graças e milagres alcançados, e busca esperançosa por mais graças e milagres, que, como diz o povo na sua poética sabedoria, “a maré não tá pra peixe”.
Quem lembrará a importância da meditação dos 15 Mistérios da vida de Jesus e de Maria, como oportunidade de se refletir sobre o cotidiano de nossas vidas, as realidades desafiantes, que vão da seca nos sertões nordestinos às variadas formas de violência que a todos e todas nos ameaçam: trânsito, tráfico, torcidas “organizadas”, entre outras?… Quem busca, na reza desses Mistérios, luz, motivação e força para empenhar-se, como Maria, em fazer sua parte, contribuindo eficazmente para o fim da “indústria da seca” e soluções estruturais para convivência com a estiagem cíclica e previsível, que a tantos irmãos e irmãs vem castigando e continuará ameaçando as gerações futuras de sertanejos, se nada de sério for feito, mas apenas se ficar nos paliativos que enganam a muitos e enchem os bolsos de poucos?… Quem busca, na reza desses Mistérios, luz, motivação e força para empenhar-se, como Maria, em fazer sua parte, contribuindo eficazmente para a construção de uma sociedade em paz, de uma vida tranquila para todos e todas, para o fim de tanta e tão diversificada violência, que tem como única fonte o capitalismo feroz a reproduzir e globalizar a desigualdade entre todos, a exclusão de multidões, o excesso de bem-estar consumista nas mãos de poucos e a ilusão ou frustração da imensa maioria?…Até quando os agentes de pastoral de todos os santuários continuarão alimentando esse devocionismo infantilizante, que faz consistir a devoção aos santos e santas, quase que exclusivamente na busca insaciável de proteção, qual poderosa “industria da fé”, quase só ou, pelo menos, sobretudo, de olho no bom resultado das coletas e dos cofres?…
Quando chegará o dia em que a pastoral dos santuários e a devoção aos Santos e Santas será, sobretudo uma fonte abundante e eficaz de inspiração para o Povo de Deus, a alimentar e fortalecer o empenho generoso e audaz dos cristãos e cristãs na busca da própria conversão pessoal e na militância pela mobilização e organização da luta popular por uma sociedade justa, solidária e em paz?…Quando será que os devotos e devotas do Rosário, meditaremos o Mistério da Visitação, espelhando-nos no Cântico que Maria pronunciou diante de Isabel, sua prima, e nos sentiremos junto com a Mãe do Senhor, engajados na ação do Deus Todo-Poderoso, na realização das promessas divinas de sempre: as maravilhas da libertação dos humilhados,e marginalizados e famintos, a derrubada dos tronos da soberba, da riqueza e da opressão?… Ah! Se o Espírito que inspirou as CEBs dos anos 70 e 80 voltar a preencher os corações de todos os devotos e devotas de todos os santuários e devoções e realizar-se o sonho de Papa Francisco: uma Igreja que sai para as periferias e se compromete seriamente com a sorte dos mal-aventurados!
Mártires Italianos, rogai por nós! Nhá Chica, rogai por nós! Maria, Mãe do Senhor, de Fátima, de Lourdes, do Círio ou Aparecida, rogai por nós!
Obs: Reginaldo Veloso de Araújo é Presbítero das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs, no Morro da Conceição e Adjacências, Recife-PE.
Compositor litúrgico, com diversos CDs gravados pela COMEP/Paulinas e pela PAULUS