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A ciência tem dado passos importantes no entendimento do funcionamento do universo, mas é certo que ainda temos uma longa caminhada pela frente quando se pretende buscar respostas para muitas perguntas.

Hoje, a ciência nos mostra que os planetas e as galáxias estão se afastando. É bem provável que muito tempo atrás, cerca de 13,5 bilhões de anos, tudo estava tão junto e teria então acontecido o “big bang”, a grande explosão. Quando pensamos no início a partir de uma grande explosão, nos perguntamos: e como era o tempo antes do início de tudo? É muito difícil imaginar uma resposta para essa pergunta. O tempo é uma variável incrível nessa engrenagem que conhecemos como o nosso universo e uma questão levantada pela ciência no século XIX pode trazer alguma luz sobre seu entendimento.

A questão foi lançada pela Termodinâmica, parte da Física responsável pelo estudo do calor e suas propriedades. A pergunta era a seguinte: o que determina a irreversibilidade dos processos na natureza? Vejamos um exemplo bem simples: um nadador pula de um trampolim e cai na piscina. Por que o nadador não consegue voltar da piscina para o trampolim? Essa pergunta simples parece até idiota de ser feita, mas não é. Ela tem relação sobre a preferência que os processos apresentam com relação ao tempo. Do ponto de vista da conservação da energia, não existe impedimento do processo ser revertido, mas a gente sabe que isso não acontece nunca. A grande maioria dos fenômenos só pode ocorrer obedecendo a uma estrita ordem temporal. Qual é a natureza física de tal restrição? Nenhuma lei fundamental da Física estabelece uma distinção entre passado e futuro, todas são simétricas em relação ao tempo. Isso coloca a discussão sobre o tempo como uma das questões mais fundamentais da Ciência.

Faltava alguma coisa que mostrasse de onde vem a preferência dos processos acontecerem só em uma direção e não em outra reversível. Foi aí que em 1850, o físico polonês Rudolph Clausius publicou um trabalho onde descreveu uma propriedade termodinâmica nova chamada “Entropia” que explicava porque o calor só é transferido espontaneamente de um corpo quente para um corpo frio e nunca ao contrário. É claro que também parece óbvio mas não é, sabemos que se deixarmos um pedaço de gelo em cima de uma mesa, em minutos ele se derreterá e surgirá a água líquida. Do ponto de vista do balanço energético, nada impediria que o gelo ficasse mais frio e o ar mais quente, mas a gente sabe que isso não acontece, o ar cede calor para o gelo de forma que o ar fica mais frio e o gelo mais quente. Segundo Clausius, o calor ao passar para o gelo de forma espontânea aumentaria a entropia do processo, dessa forma ele mostrou que os processos espontâneos “preferem” a “rota” onde a entropia aumenta. Surgia então a entropia, a primeira propriedade termodinâmica relacionada com a “preferência” que a natureza tem pelos processos irreversíveis.

Hoje sabemos que nos processos espontâneos a entropia só aumenta. Se tentarmos inverter a ordem das coisas a entropia também aumenta. Vejamos um exemplo típico: ao esfriar uma sala usando um condicionador de ar, diminuímos a temperatura da sala e sua entropia. No entanto, para diminuir a entropia da sala o aparelho consome muita energia e realiza um grande esforço (trabalho), inclusive dissipando calor, que é simplesmente desperdiçado no ambiente aumentando a entropia no processo. No balanço geral, o aumento da entropia causado pelo equipamento é muito maior do que a diminuição causada no interior da sala devido ao resfriamento. Ou seja, no balanço geral, a entropia aumenta. O fato da entropia só aumentar veremos adiante que pode estar relacionado com o tempo também só aumentar, daí a importância da entropia.

Pelo que vimos então, a tendência é a de que a entropia vá sempre aumentando no universo por conta de que os processos espontâneos preferem justamente acontecer dessa forma. Aí, em 1870 o físico austríaco Ludwig Eduard Boltzmann relacionou a entropia de um sistema como sendo diretamente proporcional ao “grau de desordem” desse sistema. Ora, se a entropia sempre aumenta nos processos espontâneos e agora se mostra que ela é diretamente relacionada à desordem do sistema, fica claro a afirmação de que “a desordem (entropia) está sempre aumentando no universo”, assim como o tempo. Boltzmann inclusive admitiu que poderia existir partes isoladas do universo onde a entropia poderia diminuir, consequentemente, nessas regiões o tempo diminuiria em vez de aumentar, já que estaria diretamente ligado à entropia. Um dos maiores gênios da Física do século XIX, Boltzmann foi bastante atacado pelas suas ideias, talvez isso o tenha levado ao desespero que culminou com o seu suicídio em 1906.

Pensemos então na seguinte questão: como seria realmente a relação da entropia com o tempo na forma como o medimos? Hoje a ciência fala em três flechas do tempo: a termodinâmica, a psicológica e a cosmológica. A cosmológica já demos uma pista dela no início, o fato do universo estar se expandindo estabelece uma distinção entre passado e futuro: no passado seu tamanho era menor e a desordem também. A flecha do tempo termodinâmica aponta para o aumento de uma propriedade fundamental: a “entropia”. Como a flecha do tempo termodinâmica é alinhada com a variação da entropia, que sempre aumenta, consequentemente ela também sempre aumenta.

Perceba que as flechas do tempo termodinâmica (aumento da entropia) e cosmológica (expansão do universo) são equivalentes porque apontam no sentido do aumento da entropia e no mesmo sentido que o tempo aumenta. Por fim, resta a terceira flecha do tempo: a psicológica. A flecha do tempo psicológica é aquela que nos dá a percepção da passagem do tempo. A flecha do tempo psicológica é equivalente à flecha termodinâmica porque a nossa percepção do passar do tempo está intimamente relacionada ao aumento da entropia, como? O trabalho cerebral é feito à base do consumo de energia química que é retirada dos alimentos e é basicamente na forma de calor (as famosas calorias). Ora, o calor como vimos, é usado na definição da entropia (Clausius), daí a relação íntima da flecha do tempo psicológica com a termodinâmica. Devido à dependência da flecha do tempo psicológica com a termodinâmica, o físico britânico Stephen Hawking, em seu famoso livro “Uma breve história do tempo” afirmou: “a desordem aumenta com o tempo porque medimos o tempo na direção em que a desordem aumenta”. Não é trivial entender essas coisas, não é?

A discussão da relação da entropia com a natureza do tempo ainda é um campo bastante aberto na fronteira da nossa ciência. A discussão sobre a natureza do tempo permeia praticamente todas as áreas do conhecimento humano. Para colocar um pouco mais de tempero nessa problemática apaixonante, a noção que se fazia da percepção que temos da realidade foi extremamente modificada com a chegada do século XX. Nos anos 1900 surgiram as bases da  Mecânica Quântica e da Teoria da Relatividade de Albert Einstein. Até o início dos anos 1900, predominava o “determinismo”, aí veio Einstein e demonstrou que o espaço é curvo e o tempo é relativo. Mudou a nossa percepção da realidade. Hoje sabemos que quando olhamos para o céu, a luz das estrelas que vemos são na realidade luzes do passado, levaram muito tempo para chegar até nós. Em 1927 o alemão Werner Heisenberg, partindo dos princípios da Mecânica Quântica, demonstrou que as partículas subatômicas não podiam ter sua posição e velocidade determinadas simultaneamente. Agora a ciência estava diante do “indeterminismo”, quanta novidade!

Mas vamos voltar à nossa discussão sobre a flecha do tempo psicológica. A energia que faz nosso cérebro funcionar, energia puramente Química, pode ter relação com os processos mentais responsáveis pelo nosso comportamento quando percebemos que ela é a responsável pela “manutenção” da nossa flecha do tempo psicológica. Não foi por acaso que em 1948 o famoso médico psiquiatra suiço Carl Gustav Jung publicou seus estudos com o título “A energia psíquica e a essência dos sonhos”. O termo “energia psíquica” já tinha sido usado por Von Grot em 1898 quando afirmou que “o conceito de energia psíquica é tão legítimo na ciência quanto o da energia física, e a energia psíquica tem igualmente medidas quantitativas e formas diferentes como a física”.

Com Jung a ciência deu um passo significativo na tentativa de entender as intrincadas estruturas mentais que são responsáveis pelo nosso comportamento, e quem sabe, também contribuindo para a compreensão da flecha do tempo psicológica. Um dos grandes trunfos do trabalho de Jung foi a análise que ele fez relacionando a entropia com a forma de ação da energia psíquica. O detalhamento a que Jung chegou é impressionante, comparando a mente humana com um sistema termodinâmico isolado (que não troca energia com seus arredores) ele afirmou: “quanto mais forte for o fechamento do sistema psicológico, tanto mais pronunciado chegará a ser o fenômeno da entropia”. Mais uma vez nos deparamos com a entropia dos processos, agora, mentais.

O funcionamento da nossa mente é talvez o maior de todos os mistérios. O que dizer daquelas pessoas que conseguem ter premonições de fatos que ainda acontecerão? O que dizer das seguintes palavras de Jesus de Nazaré: “Eu digo a você, Pedro, que hoje, antes que o galo cante, você dirá três vezes que não me conhece”. A flecha do tempo, seja ela a termodinâmica, cosmológica ou psicológica, ainda vai trazer muita coisa do futuro que vai virar presente e depois passado. Quem viver, verá.

Obs: O autor – Luciano de Azevedo Soares Neto – é  Professor de Físico-Química
Dep. de Química-UFRPE

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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