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… depois, montei no dragão de São Jorge e vim.
No caminho, a cavalhada da procissão do Santo daquele dia me antecedeu, gloriosa anunciante. Triunfal!
Mas aqui, encontrei a casa empalidecida, parada lá no passado, esperando por mim, amorosa, mas reclamando cuidados, como amante abandonada… Não exatamente sofrida, apenas calada, desejando muito ser vista…
Não chegamos a trocar dois olhares e eu me pus em serviço. Necessário chegar, de fato.
Passadas as fainas de acomodar, em seu corpo, todos os restos de tantas das minhas vidas, precisei me impregnar de novo dos verdes, que, de tantos matizes, se misturam com o céu, com o chão, se esparramam, transformando-se em pássaros, insetos, borboletas e flores e me contamina de tal forma essa verdidão, que eu saio desejando que tudo a meu redor, se misture nos seus tons.
Assim postes, calhas, balanços vão, também, se tornando extensão da paisagem…
Apressada, ensaio prematuramente retornar a ser anfitriã. Mas me estranho e não entusiasmo os que chegam, porque ainda não estamos prontos: nem eu, nem o Retiro. Precisamos de um tempo sozinhos, nessa reconciliação tão adiada!
Sorte que as orquídeas resolveram fazer plantão em escala: a cada fim de semana, uma me aguarda totalmente escancarada, e vão se intercalando em cores e estilos, ensinando-me o efêmero e o sutil, no perene da dedicação de apenas ser, em renovação constante.
Hoje, ao chegar, é São João quem me avista de longe.
No desassossego dos males do corpo cansado, estranhando o frio de um inverno que não quer passar desapercebido e me cobra respeito, nem me lembrei de calendário ou de festejos.
No fim da tarde, uns foguetes espoucaram lembranças.
É que lá na salinha, tem o santinho dos tempos de um sonho bom, que me permitiu ser pastora de novo, cuidando das muitas crianças que me cercaram mais uma vez, como ovelhinhas:

– Olha por Céu meu amor,
vê como ele está lindo…

Na rua Goethe, revivemos, há uns poucos anos, os idos tempos de uma Escola que deu Vida à Educação, em tempos de estio. Foi uma benção!
Na parede da cozinha, ilustrando o alerta do registro: “Onde tem fumaça tem fogo”, repousa a foto que captou a imagem da eletricidade do fogo daquela noite de um junho passado: pura magia!
Nos tempos da rua Goethe, pudemos recantar nossos sonhos e fizemos isso com tanta alegria!

– Eu pedi a São João,
eu pedi a São João,
que me desse um matrimônio…

Nesta noite, no Retiro, a fogueira, armada lá fora, espera a lua cheia. Mas ela está hoje em seus dias de envergonhada e, sem pressa, mal recomeça a ensaiar sua nova aparição. Sempre assim: vai, volta, vai…
Acho que lua gosta de brincar de se esconder, porque sabe que eu fico, sempre, procurando-a pelo céu e adoro seu sorriso totalmente aberto, quando a reencontro. Aí, gosto de acender o fogo lá fora e uivar bem alto…
Mas, hoje, noite de espera, São João me animou a um fogo mais feminino: acendo de novo o fogão de lenha e fico brincando de atiçar.
Destreinada, demoro um pouco a reencontrar o ritmo ritualístico que a madeira quer e exige. Aí, de repente, o cheiro bom dos galhos que a araucária me doou de seu corpo, espalhados pelo chão da estrada em frente, invade a casa. Num requinte, aproximo também um pau de canela: esse fogo vai perfumar tudo, bem gostoso!
Panela no fogo, chaleira com água quente… sinto-me aqui outra vez.
Ao lado do Santo, na sala, o carneirinho e o cajado – Salve meu bom pastor!
Reconheço-me protegida e sei que posso considerar a casa reinaugurada!
Agora é me preparar para abrir, sem pudor, as paredes com novas janelas, que aumentarão a possibilidade de chegar até aqui aquela luz, com que eu me apazigüei lá longe, quando andei fugindo.

– Ah, São João, São João do Carneirinho
Você é tão bonzinho,
Fale com São José,
Fale lá com São José,
Que pra ele me ajudar,
Diz pra ele me ajudar
Que é o pro meu milho dar
Cinco espiga em cada pé!

No fogo, a panela de pedra cozinha saborosas lentilhas, símbolo bíblico de fartura e de troca. Preciso, mesmo, agradecer aos deuses a minha fortuna!!!!!(24.06.09)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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