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O mercúrio dos garimpos ameaça dizimar o povo Yanomami, que vive na fronteira entre Brasil e Venezuela.

O mercúrio é um metal altamente tóxico. Seus danos costumam ser graves e permanentes: alterações do sistema nervoso central, que causam problemas de ordem cognitiva e motora; perda de visão; doenças cardíacas; entre outras debilidades. Nas mulheres gestantes, os danos são ainda mais prejudiciais, pois o mercúrio atinge o feto e causa deformações irrecuperáveis.

Garimpeiros que invadem terras indígenas em busca de ouro utilizam mercúrio para separar o precioso metal dos demais sedimentos. Uma parte é despejada em rios e igarapés; outra, evapora e é lançada na atmosfera. Porém,       os danos são ainda mais extensos porque o  mercúrio é levado para regiões distantes pela água dos rios e pelos peixes que o ingerem. A contaminação de seres humanos se dá através da ingestão de animais contaminados.

Viver em um território que tem em seu subsolo grandes reservas de ouro pode parecer bênção e sinônimo de riqueza. Infelizmente, para os Yanomami, tem sido a sua maior maldição.

Estudo recente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), mostra que a contínua invasão ilegal de garimpeiros no território indígena traz graves consequências: algumas aldeias chegam a ter 92% das pessoas contaminadas por mercúrio. O estudo foi realizado nas regiões de Papiú e Waikás, onde residem as etnias Yanomami e Ye’kwana.

O garimpo já deixou marcas profundas no povo e no território Yanomami. Entre 1986 e 1990, estima-se que 20% da população (1.800 pessoas) morreram em consequência de doenças e violências causadas por 45 mil garimpeiros que invadiram as terras indígenas. Em julho de 1993, assassinaram a tiros e golpes de facão, em uma aldeia Yanomami, 16 indígenas, incluídos idosos, mulheres e crianças. Conhecido como o Massacre de Haximu, foi o primeiro caso julgado pela Justiça brasileira cujos réus receberam condenação por genocídio.

Desde 2014, a invasão de territórios Yanomami por garimpeiros cresce assustadoramente. Estima-se que, hoje, cinco mil garimpeiros atuam ilegalmente na terra indígena Yanomami. As denúncias não têm resultado em ações efetivas dos órgãos governamentais responsáveis. Se nada for feito de concreto, um novo Haximu pode estar a caminho.

Para erradicar o garimpo ilegal é preciso descobrir seus financiadores, quem realmente lucra e sustenta esta atividade. Mas não só, é fundamental desvendar a rota do ouro e qual o seu destino final.

Neste sentido, a Polícia Federal realizou duas operações que apenas levantaram a beira do manto que encobre a atividade ilegal: a Operação Xawara, em 2012; e a Operação Warari Koxi, em 2015. Além de identificar comerciantes e donos de avião em Roraima, também descobriu que o ouro chega a uma distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários, na Avenida Paulista, em São Paulo. Fica o alerta: o ouro comercializado nos grandes centros financeiros do Brasil pode estar impregnado de sangue Yanomami.

Comitiva formada por lideranças Yanomami e Ye’kwana, e representantes da Fiocruz e do Instituto Socioambiental, estiveram em Brasília, em março, para divulgar o diagnóstico junto aos órgãos responsáveis. Foram entregues cópias à Funai e ao Ibama; ao coordenador da Secretaria Especial de Saúde Indígena; ao Ministério Público Federal; e à Relatora Especial sobre Direitos Indígenas da ONU, em visita ao Brasil na ocasião. As lideranças indígenas exigiram a retirada imediata dos garimpeiros da terra indígena Yanomami e um atendimento especial em saúde às pessoas contaminadas.

É preciso, o quanto antes, que o governo federal se mobilize em favor dos povos indígenas ameaçados por garimpos, madeireiras e agronegócios. Mais importante que salvar um mandato é salvar os povos originários do Brasil.

A propósito, recomendo com insistência a leitura do clássico A queda do céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert (SP, Companhia das Letras, 2016).

Obs: Frei Betto é escritor, autor de “Fome de Deus” (Fontanar), entre outros livros.

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