– Bons ventos o levem, saudou o ancião de longas barbas brancas e calvície no cocuruto, o viajante de paletó de linho preto.
– Aguardo um propício, foi a resposta do de paletó, e que levava pouca bagagem. Já passaram três do noroeste.
– Pronunciou essa última palavra de maneira silábica, assim: no-ro-es-te, com ênfase aos oo.
– Os Ventos a sudoeste são raros, continuou o da pequena bagagem, dando realce à sílaba dó.
– Isso lá depende, retomou o do cocuruto. Por vezes são rarefeitos, é verdade. O diabo é que os ventos pouco respeitam os horários do serviço de meteorologia.
Dito isto, apresentaram-se. O das barbas e calvície fora grande viajante quando jovem. Percorrera meio mundo, ora de carona, ora como clandestino em ventos marítimos. Orgulhava-se de conhecer do frio Crivatz ao quente Simum. A idade o acomodou e o pôs a contar histórias, principalmente a respeito das Monções, de que muito gostara.
O de paletó à antiga, de linho preto, viajava a negócios e fora antes condutor de zéfiros urbanos. Perdeu o emprego após colidir com um redemoinho.
– É às vezes bom mudar de localização, aconselhou o ancião que viajara muito. É frequente estarmos em um ponto por onde só passam ventos que não nos servem, e haver na outra esquina as melhores ventanias.
O das barbas brancas prosseguiu, sem notar que o do paletó pouca atenção lhe dava, mais preocupado em olhar a rua em busca de um vento sudoeste:
– E as calmarias!… Essas é que são elas.
– Quando não há pressa, o melhor são as nuvens. Falava quase por falar, o da bagagem. São mais lentas, porém bastante confortáveis.
– Nem todos podem tomar uma nuvem, lembrou o da calvície. O acesso não é tão fácil, e são inviáveis quando chove.
A essa altura, passa uma bonita e veloz ventania para nordeste. O do linho preto despediu-se, desabotoou o paletó e embarcou, partindo em disparada. Mal havia subido, o elegante vento chocou-se com um ciclone desgovernado. O de paletó à antiga, de linho preto, caiu das alturas em um redemoinho.
– Bons ventos o levem! exclamou o de longas barbas e calvície no cocuruto.
Obs: Texto retirado do livro do autor – Livro dos Silêncios