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“Esse sistema tem que ser demolido, implodido, destruído e só o será com a força do povo, dos trabalhadores do campo e da cidade, da juventude, das mulheres, da mobilização das ruas, das classes médias que não dependem do crime e das finanças privadas ilícitas para se sustentarem e manterem sua voz ativa na cena política nacional. A via para isso será, sempre, a política direta das massas e a submissão a esta da política representativa, através de uma frente ampla de partidos e candidatos que comunguem desses princípios, pela ética e pela soberania, pelo desenvolvimento e pelo eco-socialismo.”

Impressionante.

Encurralados com os pedidos de prisão de Renan Calheiros, Romero Jucá e José Sarney, apresentados pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot, Senadores querem que ele se explique. Ora, ora, ao que todos sabemos, as informações, se as querem, estão nos autos. Seus muito bem pagos advogados sabem como obtê-las. Afirmam os Senadores que o pedido de prisão de Renan Calheiros, o presidente do Senado, atinge a instituição. Confundem a pessoa física do Sr.Renan com a câmara alta do Congresso Nacional.

O que pretendem com esse “pedido de explicações” ao Procurador os nobres Senadores? Não se trata de preservar a independência das instituições entre si, como argumentam os investigados. Isso é conversa fiada. Querem usar os cargos e as máquinas que tem à sua disposição para perpetuar um sistema podre, criminoso, que por dentro da democracia conquistada a duras penas, com sacrifícios, vidas e sonhos de todos os brasileiros, fez germinar autênticas quadrilhas, fortunas milionárias, poder e ferramentas de chantagens permanentes contra os governos eleitos pelo voto do povo.

Anos atrás viu-se que uma quadrilha (denominados depois “os anões do orçamento”) atuava na Comissão Mista de Orçamento, Planos e Fiscalização do Congresso, traficando emendas parlamentares em obras e projetos do governo federal para desviar bilhões dos cofres públicos. Depois os crimes se repetiram com emendas para a saúde, em especial para a compra de ambulâncias. Em 2007, as obras e compras de materiais referentes à preparação dos Jogos Pan-Americanos revelaram a mesma prática criminosa. Até 2014, nas obras para a Copa do Mundo, as “arenas” se multiplicaram pelo país afora, revelando as mesmas práticas, de formação de quadrilha, superfaturamento, multiplicação de fortunas e verbas para campanhas eleitorais desde então. Para coroar a criminalidade institucionalizada, as investigações da Operação Lava Jato ampliaram a ação desses grupos em obras e contratos da Petrobras e na Eletrobras.

Esse sistema político, recauchutado a cada dois anos em eleições municipais, estaduais e federais, tem servido ao crime organizado de forma cada vez mais ampla, o que, aliado ao financiamento declarado de campanha por fortes grupos econômicos, faz da democracia eleitoral no país uma fraude monumental.

De uma gigantesca movimentação de massas pelas diretas e pelas eleições de Lula em 1989, transformou-se a democracia representativa num simulacro de participação. A ideologia, os sonhos, as utopias, os programas de governo e mudanças foram transformados, por marqueteiros de muitos milhões em suas contas, em meras peças decorativas, fachadas, prevalecendo o poder do capital, do dinheiro sujo e das grandes corporações empresarias na construção das chances eleitorais desse ou daquele candidato, dessa ou daquela coligação. Contraditoriamente, quanto mais eleições se realizaram no país, menos a democracia autêntica e soberana, poder que emana do povo, se viu fortalecida. A compra do voto, antes uma prática explícita nos grotões e periferias rurais, tomou conta das cidades médias e grandes, dos centros urbanos, ao lado da manipulação dos cargos comissionados e dos contratos terceirizados na administração pública, numa escalada de fraudes políticas, corrupção e crime organizado a serviço de grupos econômicos e de quadrilhas que tomaram de assalto o poder público em muitas esferas do país.

Esse sistema, por isso, por sua total incompatibilidade com a democracia de massas e com a necessária luta pela distribuição de renda, riqueza, poder e direitos sociais à maioria do povo brasileiro, tem que ser denunciado, enfrentado, atacado e destruído. O combate à corrupção não é tema de cunho moral. É pauta contra a privatização criminosa dos bens públicos e do patrimônio da sociedade, é agenda necessária de enfrentamento dos grupos de poder e das velhas-novas oligarquias que, com mandatos nas mãos, chantageiam, achacam, encurralam presidentes, governadores, prefeitos, para que seus governos sirvam a esses grupos, mais e mais, e não aos objetivos definidos para a República Federativa do Brasil na Constituição Federal de 1988, artigo 3o.

A criminalidade organizada em plena democracia arrastou consigo multidões de eleitores, pobres, remediados, “lideranças” comunitárias, pela ofensiva dos agentes do capital e do poder que se serviram e servem à acumulação dessas riquezas. Nesse jogo os mandatos de Vereadores, Deputados Estaduais, Federais e Senadores a serem conquistados representam ativos que podem drenar, sugar e subtrair bilhões e bilhões dos cofres públicos. Por isso as críticas às distorções e aos desvios de finalidade no uso de verbas de gabinete, salários de assessores e dos próprios parlamentares, embora necessárias e corretas, não representam nenhuma ameaça à verdadeira sangria da riqueza e à concentração criminosa de poder dos grupos organizados para o assalto aos cofres públicos e à democracia no país.

Nos meus doze anos de mandato como deputado federal (2003-2014), por diversas vezes contestei jornalistas desinformados que, na ânsia de criticarem corretamente aqueles desvios, se esqueciam que milhares de vezes maior que o mau uso das verbas parlamentares específicas eram e são os desvios que a corrupção e sonegação geram através de práticas criminosas. O voto de alguns (cada vez em maior número) Deputados e Senadores, sobretudo nas matérias orçamentárias, transformou-se na arma para arrancar do governo benesses e concessões, muitas das quais, na surdina, tinham como marca as propinas, a divisão de obras sem licitação, a nomeação de agentes do crime em altos escalões de empresas públicas, como se viu na Petrobras, comissões em contratos e outras modalidades de assalto aos cofres públicos. Vi casos em que uma simples emenda a um Projeto de Lei sobre matéria tributária isentava largos setores econômicos do recolhimento de impostos e contribuições sociais representando alguns bilhões a menos para os cofres públicos, tudo em nome do ” incentivo e apoio às atividades produtivas”. Bem pago pelos grupos beneficiados, uma emenda dessa natureza garantia a próxima eleição de seu autor com folgas de voto e dinheiro.Vi e contestei relatórios preparados por Deputados às sucessivas Medidas Provisórias de refinanciamento dos impostos devidos pelas empresas, muitas dessas useiras e vezeiras na sonegação fiscal de bilhões, no Programa conhecido como REFIS, tudo em nome do enfrentamento da “crise mundial “. Por isso batizei o REFIS como Regime Especial de Fomento e Incentivo à Sonegação.

A crise e os desdobramentos ora em curso, revelados pelas investigações continuadas da Operação Lava Jato (corrupção) e da Operação Zelotes (sonegação), demonstram como funciona o atual sistema político, suas garras, suas redes, suas estratégias e modos de cooptação, até de partidos e parlamentares de esquerda, em cujas campanhas eleitorais e nos anos não eleitorais apareceram as contribuições de empreiteiras ora investigadas. Claro, todos dirão que foram contribuições legais, declaradas e aprovadas pela Justiça Eleitoral. Quem poderá, porém, nos garantir que a fonte dessas verbas não terá sido a corrupção nas obras realizadas na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, nas inúmeras ARENAS para a Copa de 2014, nas demais obras da Petrobras e da Eletrobrás?

Na verdade, ficou conveniente e fácil demais abandonar a formação política de base, o esforço pela conscientização (lembremo-nos de Paulo Freire), a formação e organização política dos trabalhadores e bater nas portas das empreiteiras, bancos, planos de saúde e outros grupos privados para garantir a campanha e o próximo mandato, não sem obscenas contrapartidas pelos eleitos. Os aliados bem tratados por Lula e Dilma articularam o golpe. Os aliados que corromperam e acumularam fortunas por ano e anos arrastaram o governo para baixo, tamanha a repercussão das investigações da corrupção feitas pela Operação Lava Jato. Nesse turbilhão, os governos que não tiveram coragem de mobilizar o povo por reformas estruturais, como a Lei de Mídia Democrática e Plural, foram encurralados pelas Organizações Globo, sua TV aberta (Jornal Nacional) e por assinatura (Globo News) emissoras de rádio e jornais impressos. Agora, reclamar do quê? Deu no que deu.

Tudo se encaixa. Um sistema político em que a maioria dos partidos e dos mandatos serve de alavanca e ativo para a acumulação de riqueza e poder, num projeto em que se aliam grupos criminosos públicos e agentes empresariais, juntos, trazendo para suas redes vários partidos e mandatos que se alimentam reciprocamente.

Esse sistema tem que ser demolido, implodido, destruído e só o será com a força do povo, dos trabalhadores do campo e da cidade, da juventude, das mulheres, da mobilização das ruas, das classes médias que não dependem do crime e das finanças privadas ilícitas para se sustentarem e manterem sua voz ativa na cena política nacional. A via para isso será, sempre, a política direta das massas e a submissão a esta da política representativa, através de uma frente ampla de partidos e candidatos que comunguem desses princípios, pela ética e pela soberania, pelo desenvolvimento e pelo eco-socialismo.
(11 DE JUNHO DE 2016)

Obs: O autor é  Professor da UFPE/Presidente da Fundação Joaquim Nabuco/MEC.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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