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Problemas de diferentes ordens estão colocando em risco a vida em sociedade e o próprio futuro da humanidade. Além de graves questões sociais persistentes, o sistema em curso incide de forma negativa no aspecto ambiental. Assim, verificam-se vendavais, enchentes, secas, mudanças climáticas bruscas, tsunamis, tornados, furacões, ciclones e outros, com consequências trágicas. Especialistas explicam que esses fenômenos estão se intensificando e agravando por conta do aquecimento global. Mostram que a ação humana é responsável pelo aumento da temperatura nos pólos nas últimas décadas em face da emissão de gases poluentes, sobretudo, o dióxido de carbono, proveniente da queima de combustíveis fósseis, do desmatamento, das queimadas etc. Por sua vez, o crescente consumo de energia acaba contribuindo de forma significativa nesse processo, pois as hidrelétricas não produzem somente luz. Elas também geram muitas “sombras”.

Sombras produzidas

Pesquisadores do National Institute for Space Research afirmam que as 52 mil grandes represas existentes no mundo causam cerca de 4% do aquecimento global, emitindo por volta de 104 milhões de toneladas de gás metano (CH4) a cada ano. Uma tonelada de metano é 25 vezes mais prejudicial em comparação com uma tonelada de gás carbônico (CO2). Na somatória das emissões, o Brasil se encontra entre os 17 países maiores poluidores do planeta. É sabido que o aquecimento provoca alterações nos ecossistemas, danos ao meio ambiente, uma série de doenças, além da morte de milhares de pessoas todos os anos.

As hidrelétricas são responsáveis por cerca de 90% do total da eletricidade gerada no país. Embora se afirme que as hidrelétricas produzem “energia limpa”, sabe-se que as mesmas provocam uma gama de problemas de ordem social, ambiental e simbólica. Elas se constituem em uma espécie de “dilúvios planejados”, inundando vastas áreas de terras, destruindo florestas, extinguindo espécies animais, expulsando muitas famílias de seu habitat etc. Ao transformar os rios em vastos lagos provocam a dilapidação de belezas naturais e a morte de espécies inteiras de peixes.

No Brasil, são poucos os rios de médio e grande porte que ainda não foram barrados no mínimo em um ponto para a instalação de usinas hidrelétricas. De acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a cifra dos expulsos de suas propriedades e locais de vida por tais projetos já supera um (1) milhão de brasileiros, sendo que cerca de 70% deles não têm seus direitos garantidos. Dessa maneira, acabam por aumentar o contingente dos sem terra, sem trabalho e sem perspectivas, ampliando a fome, a violência e a miséria. Em muitos casos, as obras de construção de barragens não são precedidas pelos Estudos de Impacto Ambiental (EIA), o que impede de mensurar e reparar seus danos.

Entre os afetados diretamente com as barragens no Brasil, estão indígenas, quilombolas, posseiros, ribeirinhos, pescadores, agricultores e outros, ou seja, populações historicamente marginalizadas ou excluídas dos benefícios econômicos. José Hélio Mecca, da coordenação nacional do MAB, afirma: “Nós não somos contra as barragens em si. Somos contra o jeito com que elas são feitas, para quê servem e quem paga os danos que essas obras causam, uma vez que não levam em conta todos os prejuízos sociais e ambientais”.

A Comissão Mundial de Barragens destaca que esses empreendimentos provocam danos nos meios de subsistência de milhões de pessoas que dependem das funções naturais e da pesca. Há grande quantidade de pessoas deslocadas que não são reconhecidas (ou cadastradas) como tal e, portanto, não são reassentadas nem indenizadas. Onde houve indenização, quase sempre o foi de forma inadequada. Em situações de cadastro adequado, muitas famílias não foram incluídas nos programas de reassentamento. Aquelas que foram reassentadas, raramente tiveram seus meios de subsistência restaurados, já que, em geral, os programas de reassentamento concentram-se na mudança física, ignorando a recuperação econômica e social dos deslocados.

Nas comunidades atingidas, muitas vezes verificou-se aumento da desigualdade de gênero, sendo as mulheres geralmente discriminadas na partilha dos benefícios. Segundo Daiane Höhn, da coordenação do MAB, “as mulheres sofrem os maiores impactos antes, durante e depois da construção. Quando é feito o anúncio da barragem, sentem um abalo mais forte porque elas têm um apego maior com o ambiente. Em muitos casos, os homens preferem sair e as mulheres não. Isso acaba gerando conflito na família.”

A instalação de hidrelétricas tem provocado desestruturação de comunidades, rompimento de laços familiares e grupais, traumas diversos, desenraizamento cultural, perda do vínculo espacial, doenças (como malária, dengue e outras), depressão, violência etc. Em vários locais, entre os trabalhadores na construção de barragens, foram constatadas situações de trabalho degradante, baixos salários, jornadas longas e extenuantes, falta de equipamentos de segurança e má qualidade da alimentação.

A inundação de florestas, cidades, escolas, cemitérios, igrejas e outros espaços considerados sagrados incidem de maneira negativa sobre os atingidos. Vale ressaltar que as populações tradicionais mantêm com a natureza uma ligação afetiva muito profunda. Para os indígenas, por exemplo, os rios são sagrados e intocáveis, revestindo-se de certa espiritualidade. A intervenção sobre seus territórios representa, portanto, grave violência simbólica.

Projeto alternativo

O MAB propõe um novo projeto energético para o país baseado na justiça socioambiental. Nisso, há questões mais pontuais e outras mais amplas; algumas fazem parte do conjunto de reivindicações históricas do Movimento e outras são mais recentes. Mobiliza-se pela consolidação de políticas que beneficiem toda população, sobretudo as camadas mais pobres.

Visando reduzir os impactos oriundos da geração de energia, entre outras ações o MAB aponta a importância do repotenciamento das hidrelétricas mais antigas, mediante a utilização de equipamentos mais modernos e eficientes (turbinas, gerador, rotor…), bem como da limpeza dos reservatórios que sofreram perdas de capacidade em virtude do assoreamento. Ainda em 2004, Célio Bermann, professor da USP, coordenou um extenso estudo sobre o tema e sugeriu que, sem construir nenhuma nova unidade, o estoque de energia poderia ter um acréscimo de 8 mil MW se 70 das 157 hidrelétricas de grande porte do país fossem repotenciadas. O Movimento destaca, outrossim, a necessidade de reparos e manutenção na estrutura de distribuição para diminuir o “vazamento” de energia, dado que a perda nas linhas de transmissão é da ordem de 15%.

Com base no princípio do consumo racional de energia, o Movimento propõe a incorporação das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), a utilização de fontes alternativas (menos agressivas ao meio ambiente), como a eólica, solar, biomassa, marítima etc. “O aquecimento solar pode significar uma economia de energia em nível nacional. Nas regiões frias, o chuveiro chega a consumir até 30% da energia de uma residência. Se economizarmos energia, podemos evitar a construção de algumas barragens”, explica Luiz Dalla Costa, da coordenação do MAB.

O Movimento também pleiteia a reestatização do setor elétrico e o subsídio da energia para os mais desfavorecidos. De acordo com Marco Antonio Trierveiler, da coordenação do MAB, o principal argumento do governo e das empresas para refutarem a adoção de outro modelo baseado na geração de energias alternativas e limpas é a inviabilidade econômica. “Quanto aos impactos sociais e ambientais das fontes alternativas, eles são bem menores. O problema é que ainda tem um custo alto na implantação. Nós insistimos que não dá para desistir de uma matriz ou outra mesmo que o custo econômico seja mais elevado, se isso vai diminuir os custos sociais e ambientais. Às vezes, mesmo custando mais, tem que fazer aquela opção. Hoje só interessa ao grande capital aquelas energias que dão mais lucro”, enfatiza ele.

Diante da dívida histórica com os atingidos por barragens, o MAB se empenha pela consolidação de uma política de Estado que estabeleça critérios para atender os direitos dos atingidos. Opõe-se à privatização dos rios e à construção de grandes barragens, ao mesmo tempo em que luta pela redução dos preços da energia cobrados à população. Defende a diversificação de fontes de energia para minimizar os impactos sociais e ambientais. No conjunto de suas proposições, consta a democratização dos processos de planejamento, organização da produção e distribuição da energia, envolvendo a participação ativa e efetiva da população brasileira.(25.05.11)

Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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