denisa a medida da amizade

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Amigo é aquele que deseja e tenta estar próximo mesmo quando você não tem nada a oferecer a não ser você mesmo.

Sherlock e Watson, Frodo e Sam, Davi e Jônatas. Duplas marcadas por uma história de amizade. Posso estar errado, mas sempre tive a impressão (não apenas em relação a esses personagens), que em muitas relações de amizade têm sempre um membro que se doa mais que o outro para que a mesma se mantenha. É o carregador de piano, é o que tolera mais os defeitos do amigo. É aquele com quem sempre se pode contar independente se o dia é ensolarado ou chuvoso.

Sei que em qualquer relação há ganhos secundários, mesmo que inconscientes, para ambas as partes, mas, nesses casos, todo mundo consegue identificar “quem é quem” na história de amizade. Só Watson, Sam e Jônatas aguentariam ser amigos de Sherlock, Frodo e Davi. É muita carga que só aguenta quem ama de verdade, ou quem está muito doente, dependente e alienado dentro da relação.

Mas, muitas vezes, o outro lado não deixa, é claro, de amar seu amigo mas, talvez, ele ame menos, se doe menos, ou no mínimo ama de um jeito diferente. É claro que não existe um padrão estabelecido de amor na amizade como se fosse uma tabela periódica ou uma fórmula matemática. Ou como canta Humberto Gessinger: “a medida de amar é amar sem medida”.

De uma forma estranha as amizades se encaixam. Você já deve ter passado pela experiência de, sem conhecer uma pessoa, olhá-la e “ir com a cara dela” ou, ao contrário, não gostar “logo de cara”. Ou já presenciou alguém dizendo: “no começo não gostava de você, não, depois aprendi a gostar”. É como se os inconscientes conversassem antes mesmo da relação começar.

É um diálogo invisível entre duas cabeças e, se for mesmo como Shakespeare diz que “amigos são a família que a vida nos permite escolher”, podemos dizer também que essa escolha não é apenas consciente. É claro que depois, como toda relação, é necessário disposição para a mesma amadurecer e se manter.

Minha preocupação é que, mesmo as pessoas que têm uma facilidade ou disposição maior de se doar e amar, podem se cansar, adoecer e abandonar a amizade. Não por falta de amor, mas por “excesso” dele. De uma certa forma é um sinal de saúde mental, pois é o corpo e a mente dizendo que tem seu limite e que o seu chegou.

Existem pessoas (podendo ser nós mesmos), que são muito difíceis de manterem uma amizade duradoura por diversos motivos. Um deles pode ser porque não tiveram um ambiente de cuidado em sua história de vida onde não aprenderam sobre o que é cuidar e ser cuidado, amar e ser amado, sobre ceder e dividir, sobre respeitar e dar limites. Não estou tirando a responsabilidade delas, mas não podemos deixar nunca de olhar para a história do indivíduo.

De uma certa forma também é mais confortante pensar desse jeito. É muito triste e duro percebermos que as pessoas só nos procuram para ficar bem e nunca para saber se estamos bem. Que nunca nos ouvem, só querem ser ouvidas. Que te procuram apenas por um favor que você pode fazer por ela e nunca para fazer um favor a você. Na verdade, muitas dessas pessoas que têm esse egoísmo primitivo enraizado, raramente percebem que estão sendo egoístas. É uma cegueira existencial que machuca as pessoas ao seu redor.

A todo dia tento lutar contra o meu narcismo e meu egoísmo. Nem sempre consigo, mas tento sempre me analisar para entender se estou “usando” uma pessoa ou se estou vendo-a como um outro igual a mim. Me pergunto se sou um bom amigo. Procuro entender e dizer pra mim mesmo que as pessoas amam diferente e de formas diferentes.

Penso que tenho que gostar de alguém não apenas pelo prazer ou ajuda que ela pode me proporcionar, mas pelo que ela é no conjunto da obra. Não existe amizade ideal nem sem erros, brigas e desajustes. Mas, pessoas dispostas a repensarem suas atitudes podem melhorar suas relações de amizade. Isso sim já é um bom começo.

Amigo é aquele que deseja e tenta estar próximo mesmo quando você não tem nada a oferecer a não ser você mesmo.

Obs: O autor é Psicólogo, palestrante, terapeuta de família casal. 
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Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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