A maioria das crianças já tinham ido embora. Eu sempre ficava até mais tarde porque minha mãe trazia meus irmãos que estudavam no turno seguinte. Havia mudado de bairro, de escola, de idade….e de quebra, ganho um irmãozinho, desdentado, gorducho e com o qual eu não tinha nenhuma espécie de diálogo (óbvio).
O tempo passava e aquela música triste me dizia que eu poderia estar esquecida. Algumas coisas tristes, misturadas com um pouquinho já de fome, normal, pelo adiantado da hora, traziam-me pensamentos melancólicos…, talvez melancólicos demais para alguém da minha idade. “E se tivesse acontecido alguma coisa?”, “E se realmente me esqueceram aqui?”, “E se minha mãe desaparecesse? Quem cuidaria de nós, já que meu pai tinha que trabalhar pra sustentar os filhos?”. Escondia o rosto para que os funcionários da escola não percebecem as lágrimas que rolavam diante dessas perguntas. E desde cedo, já com os botões da farda, eu pensava: ” A vida não é fácil”.
É, a vida sempre me pareceu uma responsabilidade enorme, como se algo muito valioso nos tivesse sido emprestado. Emprestado sim, pois a responsabilidade neste caso seria ainda maior, pois um dia, de alguma forma, teríamos que devolver ou prestar contas. Como? Eu não sabia, como ainda não sei.
Jamais esqueci daquela sensação. A solidão daquele momento. A tristeza da impotência da espera. O medo do abandono. As incertezas da vida que desde então me intrigavam.
Ultimamente tenho sentido essa sensação. Não estou à espera da minha mãe e graças a Deus ela nunca me esqueceu, nem mesmo sei o que ainda espero da vida, mas este nó na garganta me trouxe àqueles dias de volta e por mais que tenham pessoas em minha volta eu pude sentir, novamente, a terrível solidão que senti naqueles dias da minha infância.
Obs: A autora é poeta, administradora e editora da Revista Perto de Casa.
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Imagem enviada pela autora.