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50 anos no Brasil: 19 de jun de 1964 – 19 de jun de 2014
Missa da chegada dos confrades Heriberto, Frederico, Adolfo e Gereão,(este ultimo já tendo falecido) celebrada em Bacabal no dia 20 de jun de 2014.

Deut. 8, 2 – 3; 14 – 16
Moisés falou ao povo, dizendo: Lembra-te de todo o caminho por onde o Senhor, teu  Deus, te conduziu estes cinquenta anos. – Sim, Ele nos chamou, quatro jovens Franciscanos, dizendo: Sai da tua terra e vai para a terra que eu te mostrar.  Saímos da Alemanha, seguindo para o Brasil, terra que ele nos mostrou.

Lembra-te de todo o caminho. – O Senhor nos deu um retiro de 15 dias que foi a viagem marítima, para que a passagem fosse bem lenta. Durante este tempo só vimos água, fora de uma única ilha. Na nossa frente a vastidão sem limites. Por dois dias tivemos vertigem e estomago embrulhado. Eu jurei que nunca mais iria provar comida nenhuma. Fomos no rasto de Colombo, querendo descobrir terra nova, e depois de 14 dias alguém gritou: Terra à vista! Eis o país que Deus nos mostrou, era Tutoia o primeiro solo em que pisamos. No dia 19 de junho entramos no porto de Fortaleza bem cedo, enquanto muitas jangadas estavam saindo a pescar. Frei Rodrigo de Piripiri tinha vindo para nos buscar. Com ele fomos até a terra de N. S. dos Remédios. Frei Ivo tinha vestido um hábito branco para nos recepcionar, mas depois do nosso abraço a batina ficou com toda poeira da estrada. Conhecemos a hospitalidade do povo e tivemos o primeiro contato com as comunidades rurais. Nosso português era Bom Dia e Obrigado, e o resto era a linguagem do sorriso. Vimos os desafios e ficamos com vontade de ajudar. Depois, a viagem nos levou a Bacabal, onde conhecemos o grande convento e a boa colaboração com as Irmãs. Os missionários partiam para longas desobrigas e outros voltavam, contando aventuras. O convívio era bom, e nós resolvemos: Vamos completar os estudos para logo entrar nesta missão. Fomos até São Luis, a grande paróquia da Gloria. Sim, nós vimos gloria naquela pobreza dos anos sessenta. Naqueles dias aconteceu a posse do novo bispo Dom Delgado. De tudo participamos pela explicação dos outros. Estava na hora de completar a conquista do novo país que já havíamos pisado geograficamente. Sim, era hora de conquistar a mente e os costumes, era preciso aprender esta língua de tanta poesia e mistério. Assim fomos ao estudo. Frederico e Gereão na Bahia, Heriberto e eu em Petropolis. O convento de Petropolis que ainda era muito conservador, em pouco tempo tirou o atraso que o Concilio impunha. As aulas de teologia, em linguagem acadêmica, eram traduzidas em Catequese nos fins de semana. Os ventos da revolução estudantil chegaram ao convento, e os professores foram prudentes. Suspenderam as aulas por um tempo, para substituí-las por seminários. Assim ganharam tempo de estudar o Concilio e suas novidades. Lembra-te de todo este caminho. O Senhor te humilhou, sim, ele humilhou os detentores do saber, fazendo-te passar fome, fome da Nova Evangelização, e te alimentou com o maná, que nem tu, nem teus pais conheciam. Sim, nossos pais e mestres não tinham ideia deste novo alimento que era chamado Gaudium e Spes. Era necessário desacostumar-se do velho pão.  O estudo foi interrompido pela ordenação em Bacabal que nesta terra era, conforme Frei Eraldo, a primeira desde a criação de Adão e Eva. O seminarista Jacinto Brito, hoje Arcebispo, foi o comentarista. No fim da minha primeira missa a igreja foi invadida por um jumento que rinchou e reclamou a benção do neo-sacerdote. Foi assim que eu comecei a anunciar o Evangelho a todas as criaturas.

Depois de completar os estudos fomos transferidos: Heriberto para Bacabal, Gereão para São Luis, Frederico para Piripiri e eu para Teresina. Eram os dias de Dom Avelar, homem aberto, porem aristocrata.

Lembra-te de todo caminho. Neste caminho teve diversas fases; a primeira posso chamar a fase da inocência, tanto na vida pessoal  como na vida eclesiástica. Dom Avelar falou no inicio de 68: É preciso garantir a influência da elite, pois só ela possui potencial intelectual e político. Era para dizer: Não se metam em conflitos. Mas no mesmo ano chegou Medellin que varreu toda inocência e quebrou a velha aliança da Igreja com a elite.

Começou a fase do Acordar e surgiu a palavra OPÇÃO PELOS POBRES, quando os bispos declararam: A sociedade que condena a grande maioria a  uma vida indigna do ser humano vive em situação de pecado. O Acordar ainda começou em Teresina e foi aprofundado em Bacabal, onde trabalhei no Seminário catequético.

Dalí surgiu a fase dos conflitos, porque uma parte da igreja já não queria participar da “situação de pecado” e apoiava abertamente a luta do povo. Foi o tempo em que vivi em Lago da Pedra, o tempo em que a diocese pagava advogado para defesa jurídica, a ACR fazia trabalho de conscientização e Dom Pascásio tinha presença em toda aflição. Era tempo de graça, embora de muito sofrimento, e de grande crescimento das comunidades. Eu sabia que o desafio valia a pena.

Mas infelizmente a diplomacia romana não teve a mesma coragem de apoiar esta luta.  O Papa falou em São Luis na sua homilia sobre questão agrária: VIOLENCIA NUNCA! E na sua visão, a violência estava do lado dos pequenos. Com isto chegou aos poucos uma fase de insegurança com sentimento de grande perda. Isto coincidiu com a morte de frei Estêvão, companheiro destemido e amigo fiel. Quando voltei do enterro dele que foi na Alemanha; tive que me recompor: Não te esqueças do Senhor, teu Deus que te fez sair do Egito. Sim, Ele tinha tirado do Egito as comunidades do Pau Santo, de São Manoel e do Ludovico, e a obra de Deus não seria em vão. Não te esqueças do Senhor, teu Deus que foi teu guia neste vasto e terrível deserto, onde havia serpentes abrasadoras e escorpiões. Foi ele que fez jorrar para ti água da pedra duríssima e te alimentou com o maná que teus pais não conheciam.

Qual foi a água que jorrou para mim? Foi a água da dimensão contemplativa, que encontrei na minha transferencia para o Eremiterio de Teresina. O Provincial me disse: Você não tem nenhum trabalho para fora. A sua tarefa é manter aberta esta casa para quem procura o silêncio! – Eu me refiz, quando dei um retiro para lavradores um ano depois em Lago da Pedra. Senti que havia uma continuidade, quando a Otacilia, grande lutadora, me disse: Eu aprendi que a libertação da terra foi ainda um luta pequena. Tem mais coisa em nós que precisa ser libertada! – Esta palavra foi importante para mim. Eu me pus a procurar este espaço, onde o ser é mais importante do que o fazer.

Lembra-te de todo o caminho. De todas estas fases percorridas, necessárias para o amadurecimento. De nenhuma eu tenho remorso. No dia de hoje sinto gratidão pela mão que me guiou. Quero agradecer pela companhia dos confrades. Eles tiveram experiências ricas como eu, mas já que fui chamado a falar tive que falar do meu caminho. Quero homenagear aquele que já morreu, frei Gereão que trabalhou em São Luis e depois casou com Ines. Dele temos um relato vivo de nossa chegada. Quero rezar nesta missa pelo Provincial Dietmar que nos enviou, pelo Mestre Felix que nos deixou no navio e o frei Januário que deu todo apoio. Quero agradecer por todo carinho que recebi de qualquer pessoa, por exemplo da Senhora que no primeiro dia dos finados, no cemitério da Usina de Santana, sentiu a saudade que eu tinha dos meus entes queridos e me deu uma vela, dizendo: Acenda no túmulo dos meus avós e faça de conta que é do seu pai.

Quero cantar ao Senhor, sempre enquanto eu viver,
Hei de provar seu amor, seu valor e seu poder.
-Aleluia, eu vou louvar, óh minh´ alma, bendize ao Senhor,
Toda vida eu vou tocar, ao meu Deus vou cantar meu louvor.
-Feliz quem se apoia em Deus, no Senhor põe a sua esperança.
Ele fez o céu e a terra, quem fez tudo mantém sua aliança.
Bacabal, dia 20 de junho de 2014

Obs: O autor é  Frade Franciscano, nasceu na Alemanha em 1940.
Chegou ao Brasil como missionário em 1964. Depois de completar os estudos em Petrólis atuou no Piaui e no Maranhão. Exerceu trabalhos pastorais nos anos 80 em meio a conflitos de terra. Desde 1995 vive em Teresina no RETIRO SÃO FRANCISCO onde orienta pessoas na busca da vida espiritual.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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