A data exata de seu nascimento é imprecisa. Algumas fontes a situa nas proximidades do ano de 1910. Chegou a Itabaiana procedente das Flechas, pequeno povoado, desbravado pelos ferreiros de Saracura. Segundo reza a lenda, eram homens justos e valentes que mantinham grande afinidade com  familiares,  Matapoã, Terra Vermelha e Flechas. Aruvim, com cerca de 15 anos, deixa uma vida simples e saudável, em comunhão com a natureza, entre árvores de folhas de todas as cores, flores de vários perfumes e frutas de bons sabores e muda para Itabaiana na companhia da irmã mais velha.  Fixou residência na rua da Vitória, nas proximidades da Praça da Feira, numa casa simples de chão úmido e paredes de meia. Na frente, uma porta e uma janela. Na calçada, uma argola e uma corrente para amarrar cavalo. No primeiro compartimento, uma rede armada para dormir ou descansar, por não receber afagos para se refazer dos desgastes cotidianos.

Seu rosto tinha largura e comprimento iguais, com bochechas abundantes e face com aspecto que lembrava lua cheia. Pescoço médio e grosso, tórax largo com espessura avantajada por muito tecido gorduroso. Membros musculosos e ágeis com mãos e pés grandes. Quando caminhava, seu corpo balançava para os lados de forma suave como o pêndulo de um relógio de parede. Sua pele negra parecia destilar suor úmido e pegajoso mantendo a testa e as roupas sempre molhadas. Os traços e o tamanho do seu corpo transmitiam muito de Idi Amin Dada, sem as loucuras, extravagâncias e tiranias monstruosas do ditador de Uganda. Aruvim era expansivo, risonho, de mímica viva e voz forte. Objetivo e honesto em seus princípios e concepções, não tremia diante dos desafios legais da vida. Sempre consciente da responsabilidade de prover o sustento regular da casa, enfrentava com excessiva motivação qualquer trabalho. Achava-se requintado e entre as escolhas que fazia ao arrumar-se incluía uma camisa de brim de manga comprida e óculos Ray-Ban, não para auxiliar a ampliar a visão, mas para dar aspecto mais atraente ao seu rosto. Um charuto, apagado ou aceso, no canto direito da boca, completava seu charme.

Numa época em que as pessoas comiam amendoim apenas torrado ou confeitado coberto com açúcar, Aruvim criou algo um pouco diferente e começou a preparar e comercializar amendoim cozido. Promoveu uma revolução nos costumes. Em poucos anos a sua criação estava consagrada, tornando-se o tira-gosto mais comum nas pequenas ou grandes farras. Aruvim comentava que o segredo do sabor e do encanto de seu amendoim estava na fertilidade do solo das Flechas, no dia de plantar, em realizar as colheitas nos dias ensolarados e principalmente em fazer o cozimento após lavar em 7 águas. Sua criação passou no teste do tempo e depois de quase um século, o amendoim cozido tornou-se produto Nacional.

Dada a grande procura, a invenção de Aruvim rendeu-lhe lucros suficientes para melhorar sua qualidade de vida.  A casa foi reformada, comprou um pequeno sítio e uma carroça tracionada pela “burrinha  Aimê’’. Trabalhava sem trégua de sol a sol, entretanto, com o passar de alguns anos, amendoim de várias origens rolava fartamente na cidade reduzindo suas vendas. A concorrência desenfreada levou Aruvim, a dedicar-se com maior avidez à sua carroça de burro utilizando-a para transporte de mercadorias, mediante fretamento. Prometia dedicação, segurança e confiabilidade, e atingiu a grandeza sonhada quando passou a ocupar uma posição de prestigio que nenhum outro carroceiro ocupou, ao ser escolhido o fretista preferido do chefe politico Euclides Paes Mendonça.

A grande guinada em sua vida deu-se quando passou a promover rifas, comandar leilões e mesas de sorte. Com imaginação criativa, utilizou o aro de uma bicicleta e construiu uma roleta de boa precisão, para realizar sorteios de motoRádios, bicicletas e balaios. Todos os sábados, um pouco antes do início do filme no cinema de Zeca Mesquita, no bar de João de Babau ou no bar de Valdez, Aruvim arrumava sua roleta sobre o sinuca e fixava na parede uma folha de papel pautado com nomes e números dos concorrentes ao prêmio. Repetia todas semanas o mesmo refrão: “ A roleta é um jogo elegante e não há truques. Aqui não precisa afastar mau-olhado. A sorte grande sai para qualquer um. Jogo feito não se desfaz”. E acelerava a roleta. Era a loteria “oficial” da cidade e os sorteios atraiam muita gente. Todos queriam viver 15 minutos de expectativa e de muita esperança.

Amealhou um bom dinheiro e o guardava escondido dentro de casa. Aconselhado por Zeca do Crediário, depositou a botija no Banco do Brasil. Sendo homem de poucas letras, tinha dificuldades para escrever de forma legível o próprio nome e o primeiro cheque emitido foi devolvido. Enraivecido, encerrou a conta e levou sua pequena fortuna de volta para casa. Saiu do banco esbravejando: “aqui ninguém trabalha e os empregados passam o dia coçando papel”.

Num domingo, ao retornar de uma mesa de sorte, encontrou a casa revirada e seus recursos roubados. A partir desse momento houve uma degradação de sua saúde. Nosso equilíbrio é afetado pelo modo de pensar, pelas nossas emoções, pelo estresse que passamos e pela qualidade dos nossos relacionamentos e negócios. Aruvim passou a demonstrar desinteresse em suas atividades diárias e dificuldades para lidar com problemas comuns. Sentia insônia, tristeza e sentimento de esgotamento após esforços mínimos. Seus braços e pernas tremiam e já não podia caminhar. Suas palavras tornaram-se incompreensíveis, engasgava-se ao deglutir e necessitava de auxilio por não conseguir fazer nada sozinho. Em pouco tempo fez o jogo de despedida da terra e partiu da Rua da Vitória direto para o céu. Sem perceber a grandeza, deixou entre nós o amendoim cozido, o amor pelo trabalho e o gosto pelo jogo, sem detrimento dos valores e dos compromissos profissionais, materiais e familiares.

Obs: O autor é médico e membro da Academia Itabaianense de Letras.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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