Sempre gostei do texto de Tom Wolfe, o qual neste ano abriu a Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro. O seu último livro, “I am Charlotte Simmons” — Eu sou C… —, descreve a vida desregrada e de sexo casual dos universitários americanos. Agora, contudo, não falarei sobre esse livro, pois muitos o estão fazendo e isso me dá uma certa sensação de querer jogar outro jogo.
Gostaria, isso sim, de trazer à tona uma idéia presente em uma de suas grandes obras, “The Painted Word” — A Palavra Pintada —, a qual, curiosamente, é muito pouco difundida no Brasil. Neste livrinho (não estiquem a semântica do simples diminutivo: refere-se apenas às 119 páginas que apresenta), muito é dito sobre os artistas que estes não gostariam de escutar: a arte é mais um fenômeno econômico-social do que propriamente do espírito livre do artista. É fato que Wolfe refere-se à arte moderna, mas nada nos impede de pensarmos nesses termos a arte feita hoje em dia. Vejamos.
Grande parte dos artistas se esforça para se colocar em um lugar muito delicado na sociedade. Eles querem, de um lado, ser reconhecidos como transgressores dos valores sociais (isso garantiria uma espécie de vanguarda) e, do outro, fazem todo o esforço para serem aceitos por ela, que compra as suas obras.
Assim, notadamente vemos dois graus de artista: o fracassado, que não tem espaço na comunidade apreciadora de arte e o de sucesso, que faz uma arte de conteúdo influenciado pelas exigências dos compradores. O fracassado é aquele que vive nos guetos da arte, diz que cria livremente, mas se sente injustiçado. A sua revolta se manifesta na proporção do desprezo que os compradores de arte têm por suas obras, mas, à primeira possibilidade de ingressar no mercado consumidor artístico, transfigura-se em um agressor da sociedade domesticado e passa a rezar pela cartilha do mercado de arte. Aqui jaz a possibilidade do fracassado vir a ter sucesso.
É verdade que o artista convertido não passa a ser um verdadeiro cordeiro da sociedade (se for, será igualmente descartado). Ele transgride alguns valores sociais, é fato. A razão disso não se encontra em alguma insurreição que o artista possa desenvolver, mas simplesmente porque o mercado não procura artistas absolutamente submetidos à sociedade, mas apenas até o ponto em que possam demonstrar algum desprezo pelos valores sociais sem agredir seriamente a própria sociedade. O artista seria, nesses termos, um cão domesticado: agressivo para os outros, mas dócil para os da família (que é a comunidade compradora de arte).
Assim como as pessoas sentem algum tipo de prazer em passear nas ruas com cachorros verdadeiramente assassinos, mostrando-os aos outros e provocando sensação de medo neles (mesmo que o cão seja absolutamente inofensivo para o dono e sua família), o mercado de arte está disposto a valorizar uma produção artística que pareça ameaçadora, mas que para ele, o mercado, seja tão ameaçador quanto um poodle. A arte que prospera, então, é a arte inofensiva para o mercado artístico, mas relativamente transgressora dos valores sociais.
Transgredir sem oferecer perigo é a grande habilidade dos artistas de sucesso. Os demais são descartados. O problema está quando encontramos artistas domesticados que insistem em defender o caráter transformador de sua arte. Esses, não raramente, ingressam em um processo esquizofrênico grave, em que pensam que promovem a mudança da sociedade, quando, na realidade, nada mais são do que uma conseqüência da vontade do mercado de arte.
Um outro problema aparece em certos compradores de arte que pensam que, ao comprar um objeto artístico que apresente transgressão social até o ponto em que se permite, tornam-se melhores. Parece-me um outro tipo de esquizofrenia, só que acentuado por um projeto moral de melhoramento próprio totalmente desarticulado. É importante avisar a tais pessoas que comprar arte, não torna ninguém melhor nem pior, mas apenas mais rica ou mais pobre, dependendo de como se comporte o artista em sua vida. Se o artista seguir a cartilha com rigor, enriquecerá quem comprou sua obra; em sentido inverso, torná-lo-á bem mais pobre.