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Só tive duas ações, ambas na Comarca de Campo do Brito, em que a namorada pedia indenização ao namorado por ter ocorrido o defloramento, ao se tocar para o fato do autor da façanha correr do casamento. Nenhuma das duas lides foi para a frente. A primeira,  com o assassinado do réu, a demanda foi extinta. A segunda, e última, por ter o casamento sido realizado, deixando a ação prejudicada.

Independentemente de tais fatos, a primeira ensejou alguns momentos de risos. As partes discutiam, trocando acusações em longas manifestações, mas continuavam a morar juntos, dormindo na mesma cama, etc. e etc. Numa audiência, o advogado do réu, ao fazer  a sua apologia, foi repreendido pela autora, que aludiu ao fato deste ter ido ao apartamento do  demandado e conversado com ela e o demandado durante muito tempo na noite anterior. Evidente que a acusação, no particular, teve o silêncio como resposta. O homicídio do demandado ocorreu antes da sentença. Acho que não tinha ouvido as partes e suas testemunhas. A passagem de uns trinta e quatro anos prejudica minha memória.

A outra demanda teve final aparentemente feliz. Mas, deu trabalho. Na audiência de instrução e julgamento, a tentativa de conciliação deu certo. Explicava ao réu que um acordo, em nível de dinheiro, a traduzir a indenização buscada, resolvia o conflito, como também encontrava solução no  casamento dos dois. O demandado ouvia, ouvia, fazia perguntas, até que pediu para falar comigo a sós. Todos se retiraram. Aí ele começou a me perguntar se não aceitasse o acordo, quanto seria obrigado a pagar. O problema dele, pelo que percebi, era a indenização. Respondia que, de início, na quantia pedida pela autora. Ele ouvia e pesava as respostas. E, no caso de casar, ele pagaria alguma indenização? Não, respondi. Então, para não pagar nenhuma indenização, ele topava casar. A demandante, ouvida, também, com a sala vazia, concordou, de modo que a escrivã foi compelida a lavrar os papéis naquele momento, dispensando-se o edital de proclamas,  ouvindo-se o Ministério Público, o foro se encheu de curiosos para a cerimônia do casamento, tudo preparado mui rapidamente.

Foi, então, que o caldo quase que entorna, na medida em que a demandante, no momento em que deveria responder que aceitava casar, de livre e espontânea vontade, tomada por algum sintoma de emoção, silenciou, a boca fechada, o olhar apavorado, a resposta que não me dava a solene pergunta que lhe fazia. O inesperado ocorria. Mais trabalho, pensei. Recuei. Mandei esvaziar a sala dos curiosos, noivo, escrivã, todo mundo. Menos a noiva. Expliquei que bastava dizer sim para a vontade ser manifestada, levando em conta que ela aceitava o casamento. A gente não podia perder tempo, nem aquilo era filme nem novela para se inserir um toque de suspense. A autora bebeu água gelada, se acalmou, a sala voltou a se encher, e, finalmente, ela respondeu que sim, que aceitava se casar, e, eu, então, repeti, bem alto, as palavras recomendadas pelo Código Civil para sacramentar a união matrimonial.

Ufa! Encerrado o ato, com as assinaturas no livro, retirados os nubentes, não sei se juntos ou separados, sem me preocupar com o futuro do casal, se, por exemplo, chegou a conviver de verdade, percebi que tudo aquilo tinha me deixado exausto.

Foi o único casamento celebrado, de dezembro de 1978 a agosto de 1984, nos meus tempos de juiz de direito, que me deixou imensamente cansado e apreensivo. É que, no fundo, eu estava torcendo pela autora, que, pelo que percebi, queria mesmo era casar, como casou.

Obs: Publicado no Correio de Sergipe
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Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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