Edilberto-2015-blogatualizado

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  1. O significado daquele período na história do Brasil – Mais uma grave interrupção no aprendizado da sociedade sobre a democracia. Desde que os portugueses invadiram e se apossaram da terra Pindorama, vive as populações brasileiras sob o jugo da Casa Grande sobre a senzala. O preço tem sido doloroso, tanto em termos de genocídio dos nativos e dos escravos, como em termos de submissão de uma classe social à outra oligárquica. Como analisa muito bem Alfredo Bosi em seu livro – Dialética da colonização, essa herança maldita continua até os dias de hoje, na frágil conjuntura, cainhando entre intervalos pequenos de democracia e outros de ditaduras.
  2. No primeiro tempo da ditadura militar (1964-1970) vivi no Nordeste (Pernambuco e Bahia). Foi a perseguição braba sobre os camponeses das ligas de Julião, Chapéu de Couro e outros. Para mim foi um inicio de conversão porque meu ensino médio ocorreu num seminário tradicional, onde nos ensinavam que entre as duas ideologias dominantes (comunismo soviético e capitalismo ocidental), tínhamos que ficar com o capitalismo porque ao menos respeita a religião…
  • Esse período da ditadura foi de muita tortura, assassinatos de camponeses na zona da mata; mas também foi neste tempo que chegou ao nordeste Dom Helder Câmara, bispo de Olinda e Recife, audacioso profeta proscrito pelos militares.
  • De 1967 a 1970, com a edição do AI 5 eu estudava teologia em Salvador Bahia e era presidente do diretório acadêmico  da faculdade católica. Pude ser convidado a participar de uma reunião secreta de estudantes da UNE, convidado por um colega de outra faculdade. Eu, ingênuo da silva fui  meio com medo seguindo uma trilha  complicada para chegar ao loca e despistar a vigilância militar.  Só fui uma vez, mas valeu para minha iniciação à consciência crítica da realidade.
  1. Dois polos da democracia que foram profundamente afetados neste período de chumbo foram a Comunicação e a Educação.
  • A comunicação – Para garantir a verdade dos generais foi implantada a censura à comunicação em todos os meios. Especialmente com o AI 5 em 68. Rádio, Jornais, Televisão (com exceção da TV GLOBO que era o canal oficial da ditadura). Os censores vigiavam nas salas de redação, nos estúdios e a Polícia Federal intimava quem ela achasse que estava fugindo da sua regra. Em Santarém a Rádio Rural da Igreja era a mais vigiada. Fui intimado a comparecer na Polícia Federal para me alertarem que um programa bíblico que eu transmitia pela madrugada era subversivo. Nosso diálogo foi curioso e peculiar, pois o diretor da PL era protestante e eu padre. Quando disse a ele que não tinha script que ele queria que eu levasse previamente para ele analisar, disse que ele como protestante sabia que nós religiosos quando refletimos sobre a bíblia deixamos o espírito de Deus nos iluminar. Ele sorriu e me disse que então tivesse muito cuidado, pois “havia pessoas achando bem subversivo minha interpretação da Palavra de Deus”…
  • Com a comunicação absolutamente controlada, prevalecia e pensamento único da ditadura e criou um vácuo na formação da consciência crítica da população. Foram 25 anos de deformação crítica. Muitos cabeças pensantes foram, torturados, mortos ou exilados. Sobrava a Igreja católica que os militares respeitavam. Na primeira fase a hierarquia aderiu ao golpe, na ilusão do anti comunismo pregado pelos militares. Foi preciso eles cometerem um grave erro de sequestrar um bispo mais comprometido com os pobres, D. Adriano Hipólito para cair a ficha da CNBB que a partir de então passou a contrapor mais firme à ditadura. Mesmo neste período se destacam como defensores dos pobres e perseguidos, bispos como Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Helder Câmara, D. Pedro Casaldáliga entre outros. Na segunda fase aconteceu a guerrilha do Araguaia que marcou uma das mais duras fases de tortura, assassinatos, incluindo todos os 58 guerrilheiros no Pará.
  • Educação – Outro polo de democratização profundamente abalado. A escola passou a ser espaço de instrução da doutrina de segurança nacional. Matérias específicas foram incluídas e outras excluídas do currículo escolar. Moral e cívica, uma delas, ensinando os três pilares da democracia implantada: Deus, Pátria e Forças Armadas. Era a estratégia do general Golbery, intelectual orgânico da ditadura.
  • Em 1963 a Igreja Católica em contraponto ao comunismo das ligas camponesas de Francisco Julião, criou um método de alfabetização de adultos via rádio, o Movimento de Educação de Base, MEB. Uma equipe bem comprometida com a educação libertadora do método Paulo Freire assumiu a coordenação nacional do MEB. Santarém entrou na dança e a Rádio Rural surgiu apara servir à educação radiofônica. O MEB deu um grande avanço na formação de consciência crítica de jovens e adultos, muitos dos quais se tornaram bons líderes da evangelização libertadora e foi base de organização da tomada do Sindicato de trabalhadores Rurais de Santarém das mãos dos pelegos. Durante dez anos, mesmo com a ditadura dando as cartas no país e destruindo as organizações da sociedade civil, a Igreja deu um avanço com as escolas radiofônicas. Isso preocupava os militares, que procuravam um meio de acabar como MEB, mas temiam a CNBB unida e forte. Dez anos depois, era ministro da educação Jarbas Passarinho, que já tinha sido o mentor do famigerado decreto 477 que bloqueava qualquer gesto de rebeldia de estudantes universitários, agora chegava a enfrentar a Igreja e seu MEB. Os bispos não tiveram mais recurso financeiro para manter a estrutura das escolas radiofônicas. Recorreram ao governo para bancar as estrutura da educação de adultos. Jarbas Passarinho e os generais prontamente decidiram bancar todas as despesas, desde que os bispos eliminassem toda a equipe central do MEB, que tinha pessoas fiéis ao método Paulo freire e davam a direção às escolas no Nordeste e na Amazônia. Os bispos caíram na cilada, destituíram a equipe central e aceitaram as verbas do governo. Foi o início do fim do MEB. Logo em seguida o governo criou o MOBRAL, com estrutura semelhante á do MEB, com monitores pagos e conteúdo doutrinário da ditadura. Em mais poucos anos o MEB se apagou como método de consciência crítica.
  1. Consequências desse processo anti democrático do golpe de março de 1964 até hoje:
  • A educação não mais se dedicou a construir cientistas e intelectuais comprometidos com a democracia, com poucas exceções. Os intelectuais conscientes hoje,, tiveram que se formar por conta própria. Matérias como sociologia, filosofia e estudos morais não entraram mais no currículo fundamental e médio; As universidades se dedicam mais à formação de mão de obra para empregos mais rendosos, do que a formar Um exemplo vivo é a UFOPA. Na sua criação, seis anos atrás, o modelo veio pronto de Brasília pelas mãos de um pau mandado. Um grupo de estudantes da então UFPA e alguns membros dos movimentos populares tentou construir uma universidade realmente nova. Que o modelo fosse fazer da Amazônia objeto de construção de ciência na maioria dos cursos. Que a UFOPA fosse uma referência nacional e internacional em pesquisas e ciência em antropologia, sociologia, ciência das águas e das florestas, amazônicas. Não deu em nada, pois como as outras a UFOPA surgiu para formar mão de obra para as empresas extrativistas a serviço do PAC.
  • Na comunicação – podemos apontar uma grave consequência o domínio de canais de televisão com abrangência nacional, sem conteúdos realmente educativos. Prevalece o entretenimento com telenovelas e o domínio da propaganda consumista. Nos anos em que fui diretor da Rádio Rural, tentamos imprimir uma emissora crítica, educativa, mas tivemos grande dificuldade de manutenção, por excluir publicidade demais contraditória com os princípios da emissora cristã e educativa. Vivemos um período de fim de democracia novamente, porque a picaretagem de interesses econômicos, transformou a administração pública num balcão de negócios. Daí o lava jato e daí a tranquilidade com o presidente da Câmara réu público continuar mandando na política nacional.
  • O que podemos esperar dos próximos dias? Não uma ditadura militar, pelos que os generais estão dizendo, mas estamos num túnel sem luz no final.

Obs: Coordenador da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Santarém (PA) e membro do Movimento Tapajós Vivo.
Autor dos livros: Amazônia: o que será amanhâ? (Vol I e II) e Uma revolução que ainda não aconteceu.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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