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Já se vão 45 anos desde que os militares “assaltaram” o poder e implantaram a ditadura no Brasil. O desejo inicial era permanecer por pouco tempo no comando da Nação para “pôr ordem na casa”. Porém, gostaram tanto que governaram durante 21 anos, ou seja, de 31 de março de 1964 a 15 de janeiro de 1985. Quem viveu naquele período nem gosta de lembrar, e os que impuseram tal regime fazem questão que se esqueça o que aconteceu. Mas, essa memória não deve ser apagada.

A propósito disso, o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (Portugal) e a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça do Brasil realizaram, nos dias 20 e 21 de abril de 2009, o “Seminário Luso-Brasileiro sobre Repressão e Memória Política”. O evento objetivou estabelecer uma interlocução entre as iniciativas de preservação da memória de ambos os países que tiveram longos anos de governos repressivos. Portugal enfrentou um processo ditatorial que se prolongou de 28 de maio de 1926 até 25 de abril de 1974, quando a ditadura de Marcello Caetano – sucessor de Antônio Salazar – teve fim com a “Revolução dos Cravos”.

Em diversos países da América Latina houve períodos de repressão em passado recente, com desdobramentos e resultados dramáticos. Na Argentina, por exemplo, registraram-se 30 mil entre mortos e desaparecidos. Cerca de 80% das pessoas que foram presas, foram eliminadas. No Chile, o número oscilou entre 3 e 10 mil pessoas. No Uruguai, 400 pessoas foram mortas. De acordo com o livro Direito à Verdade e à Memória, no Brasil, tem-se a cifra de 353 mortos. O presidente da Associação Pró-Anistia, José Wilson da Silva afirma que em nosso país, somente ‘até 1978, estima-se que tenham passado pelos “porões da ditadura” 500 mil pessoas’ (Cf.:www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u391454.shtml).

Um dos primeiros problemas ao tentar resgatar essa memória no Brasil está relacionado com o número de “vítimas” – que é muito maior do contabilizado – e com o tipo de repressão sofrida por elas. Durante a sua fala no seminário, o Ministro da Justiça, Tarso Genro, explicou que essa situação se deve à “privatização de muitos arquivos no âmbito das Forças Armadas. É provável que grande parte deles tenha sido apropriado pelos gestores do processo repressivo paralelo, que houve durante a ditadura”. Ele afirmou ainda que foram roubados e levados centenas de milhares de documentos que até hoje não se sabe quais são. Com isso, dificulta-se o resgate dessa triste memória política.

Para o Professor da Universidade Unisinos (RS) e Conselheiro da Comissão de Anistia do Brasil, José Carlos Filho, em muitos casos as ditaduras cometeram “crimes contra a humanidade”, utilizando o aparato técnico do Estado e dos meios de comunicação para eliminação física, moral e espiritual de pessoas caracterizadas como inimigas. Ele lembrou que, nesse contexto, na América Latina, houve a Operação Condor (uma integração para o mal), que foi a articulação dos governos e autoridades em prol da perseguição, tortura, exílio e execução dos chamados “subversivos”.

No seminário foi destacado que a sucessão de regimes autoritários implantados na América Latina entre 1960 e 1980 ainda não foi tratada de forma sistemática por nenhum regime democrático vigente nesses países. Na opinião de Tarso Genro, isso se deve ao fato de que a democracia se expandiu mais como forma do que como substância. Na realidade, nenhum dos regimes foi derrubado por movimentos democráticos de caráter popular. Dessa forma, compreende-se o legado ditatorial que se mantém arraigado em nossa sociedade.

Além das “vítimas” da ditadura, deve-se lembrar os massacres coletivos havidos em nosso continente e as diversas formas de opressão e silenciamento. A América Latina se estruturou sobre o genocídio de muitos indígenas e a escravidão dos negros.  Quando Fernão Cortez chegou à América Central, em 1519, havia 25 milhões de indígenas. Oitenta anos depois, tínhamos apenas um milhão, massacrados que foram pelos espanhóis. No Brasil, existia cerca de 1300 línguas indígenas. Hoje permanecem 170 línguas. Para Boaventura de Sousa Santos, diretor do CES e do Centro de Documentação 25 de Abril, ao buscar a reconciliação com essas diferentes memórias é necessário evitar o branqueamento, ou seja, a releitura a partir de uma perspectiva etnocêntrica.

Na visão do Professor Antonio Ribeiro, do CES, o conceito “vítima”, relacionado às ditaduras ou aos processos de colonização, é ambíguo.  “Aqueles a quem nós chamamos de vítimas, mesmo nas condições mais extremas, são capazes de articular alguma ação para salvar a vida e a dignidade, resistindo a se tornar simples objeto”. Embora não seja possível um ressarcimento ou indenização restaurativa aos exilados, perseguidos, presos, torturados ou mortos, até porque há uma dimensão subjetiva e irrecuperável de sofrimento, trata-se de resgatar a memória com o objetivo de fazer justiça.

O ministro Tarso enfatizou que devemos fazer esse trabalho com serenidade e não sermos vingativos ou maniqueístas, pretendendo colocar de um lado os homens bons e, de outro, os maus. Segundo ele, o melhor remédio é aprofundar a democracia sem fim em todos os aspectos da vida. Igualmente, Boaventura ressaltou que é fundamental democratizar o passado para democratizar o presente e o futuro, evitando outras formas de ditadura. Em verdade, quem não conhece os erros praticados na história está sujeito a repeti-los. Ocultar as ditaduras é o mesmo que perpetuar a tortura e a negação da dignidade humana! (Em co-autoria com Antonio Alves de Almeida) (21.04.2009)

Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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