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” (…) é preciso clareza no que se deve dizer à sociedade, no chamamento à mobilização, tal e qual se fez para assegurar a vitória de Dilma em 2014. Por que não? Contra o impeachment um mandato não é um fim em si mesmo, mas alavanca para a consolidação de um programa diferente para o país. Antes que seja tarde.”
Em alguns meses a política nacional será tomada pelos acordos entre os partidos e o lançamento de candidaturas às prefeituras e câmaras municipais em todo o país. Sobretudo nas capitais, a disputa servirá de alavanca para 2018, num cenário que se arrasta com a tentativa de impeachment da Presidente Dilma, as investigações sobre a corrupção na Petrobras e a sonegação fiscal contra a Receita Federal, a queda acentuada do PIB e a inflação acima da meta estabelecida pelos números oficiais. Atingida por esses fatos, a maioria dos partidos pouco produzirá para um olhar crítico acerca da reforma urbana, das contradições do modelo econômico vigente, seu federalismo fiscal, suas linhas industriais e a sustentabilidade das cidades, seja do ponto de vista ambiental ou da mobilidade urbana, da segurança e do saneamento.
Invadidas por uma massa cada vez maior de carros novos, desde a farra da redução do IPI para os automóveis e o seu financiamento facilitado, as capitais e cidades metropolitanas estão atropeladas, tanto pelos veículos privados sobre quatro rodas quanto pela praga dos gafanhotos de duas rodas, as nefastas “cinquentinhas”, tão irresponsavelmente incentivadas em suas linhas de montagem, com renúncias fiscais estaduais e municipais, quanto cada dia mais letais e onerosas aos dispêndios do SUS nas emergências hospitalares, com os acidentes que provocam em todo o país. Apesar disso, não se redireciona o modelo de transporte e mobilidade para as cidades. O que se vê é a legalização pura e simples daqueles veículos, como se um mal menor (vê-los rodando, emplacados, com motoristas habilitados e com equipamentos de proteção) compensasse o mal maior (supremacia do privado nos modais de transporte urbanos, esgotamento progressivo da mobilidade e elevada taxa de mutilações e mortes provocadas por acidentes com esses veículos nas vias públicas).
Vejo também que a disputa eleitoral municipal desfocará ainda mais aos olhos dos cidadãos a compreensão da economia e suas estratégias de “ajuste” nas contas públicas, defendidas como solução técnica, mas que preservam o velho modelo de despesas com a dívida pública como guardião dos ganhos dos “investidores”, blindados de qualquer risco pelo superávit primário eterno, ainda que menor hoje que aquele aplicado após a posse de Lula em 2003 (4,25% do PIB). Inquieta-nos até quando haverá nuvens escuras sobre essa gravíssima questão? Até quando as respostas às mobilizações em defesa de um mandato constitucional virão empacotadas por mais austeridade fiscal, como agora, sem que se toque nas elevadas taxas de juros públicas e privadas? Ao não atingir essas despesas o ajuste de longo prazo ora anunciado atrasará ainda mais a ruptura com o atual modelo, prejudicando a adoção de novos pilares macroeconômicos e de um equilíbrio das contas públicas de outro sentido.
O ajuste passa longe das reformas estruturais, como a tributária, progressiva e direta, a reforma do sistema financeiro, sanguessuga da poupança da sociedade com os extorsivos juros comerciais, de cartões e cheques especiais, além da reforma urbana, entre outras. Por isso, não garantiremos a supremacia do interesse público na economia e nas finanças nacionais se persistir a contradição entre a defesa democrática de um mandato e um projeto e a negação desse projeto, na prática, pelos caminhos econômicos escolhidos pelo governo. Quando serão iniciados a construção de uma nova política monetária, o desmonte da farsa do IPCA cheio na análise da inflação e a implosão da Pesquisa FOCUS, ração de expectativas do mercado para a dieta do Banco Central? Quando um novo rumo será anunciado às claras, com todas as letras e números, superando a ditadura que impõe uma só concepção de inflação, para justificar sua redução com altas taxas de juros?
Por isso é preciso clareza no que se deve dizer à sociedade, no chamamento à mobilização, tal e qual se fez para assegurar a vitória de Dilma em 2014. Por que não? Contra o impeachment um mandato não é um fim em si mesmo, mas alavanca para a consolidação de um programa diferente para o país. Antes que seja tarde.
Obs: artigo publicado na Folha de Pernambuco, 9/04/2016
O autor é Professor da UFPE/Presidente da Fundação Joaquim Nabuco/MEC.