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Mais de quatro séculos após ter escrito os seus Exercícios Espirituais e fundado a Ordem dos Jesuítas, a Companhia de Jesus, Santo Inácio de Loyola não poderia imaginar que sua mensagem pudesse ter tamanha importância nos dias de hoje. Sua espiritualidade é um verdadeiro legado para aprendermos a lidar com a correria da vida moderna e a enfrentar um dos grandes obstáculos à vivência cristã: o individualismo. Espiritualidade esta que, segundo o padre jesuíta Mário de França Miranda, S.J. (foto), difunde a proclamação da fé e a luta pela justiça. Diretor do Departamento de Teologia da PUC-Rio pela segunda vez (a primeira foi nos anos de 1975 e 1976), padre França é um dos trinta teólogos que formam a Comissão Teológica Internacional do Vaticano.
Paralelamente, exerce a função de assessor da CNBB e do CELAN (Conselho Episcopal Latino-Americano), cuja sede fica em Bogotá, na Colômbia. Em 1983, fundou em Belo Horizonte, junto com outros padres, o Centro de Estudos Superiores dos Jesuítas. Trabalhou também durante muitos anos no Centro Loyola, organizando cursos de Teologia. Nesse meio tempo, como se tudo isso não bastasse, foi instrutor de terceira provação, uma espécie de segundo noviciado dos jesuítas, onde pôde estudar mais a fundo os ensinamentos de Santo Inácio. Falando nisso, o estudo e a pesquisa são algo a que os jesuítas se dedicam muito, o que lhes proporciona uma sólida e reconhecida formação cultural. “As pessoas quando vêem um jesuíta pensam que é só apertar um botão e a gente fala de todos os assuntos”, brinca o padre França.
  Entrevista:

 Amai-vos: Em nossos dias de distração, de vazio espiritual, que muitas vezes nos afastam de Deus, a palavra de Santo Inácio pode ajudar as pessoas a reencontrá-Lo?

  Padre França: Temos hoje uma vida estressante, acelerada. Somos bombardeados por informações a todo o momento. Santo Inácio diz que não devemos fugir disso, mas sim nos organizarmos dentro desse caos. É neste ponto que ele nos ensina que devemos encontrar a Deus em tudo; procurar nos alimentarmos na própria atividade que exercemos. Se você está fazendo um trabalho bem orientado, bem iluminado, em função do outro, você tem que ser alimentar dali. É aí que você encontra a Deus. Por meio da oração, você deve procurar o quê Ele quer de você. É uma oração na vida ativa, que se reabastece na própria atividade, ou seja, no momento de você se questionar se o que está fazendo é realmente o que Deus quer, se está fazendo bem ou não e como melhorar. Você se reabastece porque Deus está sempre no seu pensamento; você procura servi-Lo e ajudar os outros. Neste aspecto Santo Inácio trouxe uma espiritualidade diferente. É uma espiritualidade “mundana”, que não se limita às paredes de um mosteiro, e que qualquer pessoa pode ter acesso, seja religiosa ou leiga.

Amai-vos: A visão apostólica de Santo Inácio era muito forte. Segundo ele, devemos comunicar nossas experiências aos outros, e não apenas guardá-las conosco. Em contrapartida, hoje, vivemos em um mundo altamente individualista, onde as pessoas só pensam no seu próprio benefício. A mensagem de Santo Inácio adquire maior impacto por conta disto?

  Padre França: O individualismo é o maior obstáculo ao Evangelho; é um traço cultural que dificulta, sobremaneira, a vivência cristã hoje. Enquanto o Evangelho prega o amor ao próximo, o individualismo prega o amor a si mesmo. Os problemas éticos que presenciamos vêm daí. O que importa é ganhar dinheiro, ficar rico, não pensar nos mais pobres, no bem comum, mas apenas em si. Tudo isso se origina na mesma raiz, que vai corroendo todo tipo de instituição, a família, a vida política. Propondo uma espiritualidade cristã, voltada para o outro, Santo Inácio procura trazer o Reino de Deus ao mundo; tornar as relações humanas mais fraternas e justas. Sua espiritualidade apresenta grande vigor em nossos dias e difunde a proclamação da fé e a luta pela justiça, não só entre os jesuítas, mas entre todos os homens. De fato, espiritualidade de Santo Inácio vai contra o individualismo e se manifesta, sobretudo, nos dias atuais, num engajamento social mais forte.

Amai-vos: Santo Inácio ainda era leigo quando começou a desenvolver os seus estudos e a elaborar os seus ensinamentos. Será esta a razão pela qual os leigos se identifiquem com o seu pensamento?

  Padre França: Há duas fases muito importantes na vida de Santo Inácio. A primeira, como leigo, foi quando realizou as suas experiências de vida pessoal no mundo. Depois, a que o tornou fundador de uma ordem religiosa, onde procurou traduzir em texto as experiências vivenciadas. Com isso, institucionalizou o seu carisma, as suas primeiras intuições, inicialmente para padres e não para leigos. Agora os leigos estão começando a se aprofundar mais, porém, para mim, o que ainda falta entre eles, são experiências autênticas de quem vive a espiritualidade de Santo Inácio e depois as expressa no papel. Na Companhia de Jesus, os jesuítas vivenciavam as próprias experiências e, com freqüência, Santo Inácio os questionava sobre as suas reações, o que dava certo e o que não dava. Depois comunicava esses resultados para todos. Esse trabalho de institucionalização é o que sinto falta hoje. No momento que houver, ficará mais fácil para os leigos assumirem o que há de mais profundo nesta espiritualidade. Vemos isso, em parte, na CXV (Comunidade de Vida Cristã), que já é uma tentativa nesta direção.

Amai-vos: A sólida formação cultural é uma das características principais dos jesuítas. De que maneira essa bagagem cultural auxilia nas atividades do dia-a-dia?

  Padre França: É uma ordem que exige bastante. A expectativa em relação aos jesuítas é muito grande. Até brinco, dizendo que as pessoas acham que é só apertar um botão e a gente fala de tudo. O que é impossível. Mas, de fato, a Companhia de Jesus proporciona uma formação muito boa. As ciências humanas permitem que o jesuíta tenha uma visão mais completa da realidade. Ao chegar a um novo país, por exemplo, ele fica muito sensível às riquezas humanas, às características culturais daquele local. Essa sensibilidade para o lado humano se manifesta na luta pela justiça, na preocupação com os pobres, no respeito às religiões. Para entender a sociedade é preciso estudar e só por meio dessa compreensão é possível responder aos anseios do homem de hoje. Como digo, passa pela “camada cultural”. Sem entender uma cultura, não há como entender as pessoas.

Amai-vos: Como está a Companhia de Jesus, no mundo, hoje?

Padre França: A Companhia cresceu muito. Santo Inácio se assustava com mil jesuítas, pois achava que já era um grande número de seguidores. Hoje somos 23 mil em todo o mundo, sendo algo em torno de oitocentos a novecentos no Brasil.

Amai-vos: O senhor acha que, no Brasil, os jesuítas têm difundido suficientemente os Exercícios Espirituais de Santo Inácio?

  Padre França: Sem dúvida, creio que está parte da espiritualidade está muito bem. Atualmente vejo a Revista de Espiritualidade, desenvolvida em Itaici (SP), como uma das melhores publicações em espiritualidade inaciana do mundo. Inclusive volta e meia, seus artigos são citados pelos professores na Universidade Gregoriana de Roma. Por outro lado, a Companhia faz um trabalho de assessoria à Igreja muito importante. Alguns bispos chegam até a comentar que sem o apoio dos jesuítas ficaria difícil. Essa dedicação ao estudo, à pesquisa é fundamental para que os jesuítas possam dar esse suporte qualificado.

Amai-vos: As atividades pastorais dos jesuítas, no Brasil, são muito diversificadas e obedecem à vocação de cada um?

Padre França: Sim. Os jesuítas estão atuando em vários campos, seja junto às tribos indígenas, na Amazônia, como em universidades e escolas, nas capitais. Há jesuítas envolvidos em atividades nas paróquias e em trabalhos muito populares, como o das Comunidades Eclesiais de Base. Além disso, há jesuítas nas áreas de educação, onde ao meu ver se concentram mais, e nas áreas de matemática e botânica, como temos aqui na PUC. No mundo, pode-se encontrar jesuítas especializados em política, em economia, vemos de tudo. É interessante, pois temos um ideal, uma base comum, mas estamos presentes em diversos setores. Nosso leque de opções é muito amplo. Neste ponto, a Companhia é magistral; ela não impede que você desenvolva as suas potencialidades.

Obs: Entrevista concedida a http://amaivos.uol.com.br

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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