para Lili
Ficamos a desenhar algas nas paredes da cidade.
Brincamos de fabricar o céu nas calçadas das ruas. Cantamos e dançamos. Depois, criamos diversos enfeites e os colocamos nas janelas das casas. Alegres, decidimos engravidar o entardecer com cores avermelhadas e rosas.
E choveu e trovejou e surgiu a noite e amanheceu e, novamente, veio o sol.
Lá estávamos nós pendurados numa nuvem a sonhar os sonhos dos pássaros no caminho de seu descansar.
Tantas vivências perpassaram em nossos olhos. Apalpamos a fome, o abandono e a miséria nos andrajosos daquele lugar. E constatamos a luxúria, a intolerância e a indiferença nos embolorados daquele chão.
Perdemos a graça, perdemos o riso. Mergulhamos no mar.
Distantes, inventamos estrelas em outra cidade, onde poderíamos novamente desenhar, cantar, dançar e criar amanheceres sem medo, sem esperança.
Pensamos, ingenuamente, viver é possível. E nos enfeitamos do sonho dos pássaros. Choramos.
Tentamos adormecer em paz.
Acordamos transformados em algas no desenho das paredes.
Lentamente, com o passar do tempo, fomos sumindo, sumindo, sumindo.
De nós, imperceptíveis rabiscos resistem nos muros de alguma memória. E ainda sonham.