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Era 01 de abril de 1964, em Terras Brasilis. O que sobreveio não foi mentira, como a data poderia sugerir. O golpe civil-militar, amplamente planejando e articulado com o imperialismo norte-americano, tornou-se uma realidade desastrosa por longos 21 anos. Já se vai meio século a contar do seu início. De coisas horríveis, indizíveis e irreparáveis, de crueldade e embuste se constituiu esse período da história nacional que alguns saudosistas equivocadamente proclamam como revolução. Mentira plena!

Por força das circunstâncias, João Goulart comandava o país. Pretendia instaurar reformas de base (bancária, fiscal, urbana, eleitoral, agrária, educacional e outras), anunciadas em comício na Central do Brasil, no dia 13 de março de 1964. Sua política reformista, embora longe estivesse de se configurar em ‘comunismo’, foi suficiente para que fosse expurgado pela direita. A grande imprensa, organizações da sociedade civil, empresários, políticos influentes e a própria CNBB apoiaram o regime de exceção para evitar o avanço do comunismo, visto e pintado como único voraz inimigo do povo e do Estado.

Ao procurar combater todas as possíveis expressões do comunismo, os militares escancararam as portas ao capitalismo internacional que, advindo do Norte (Estados Unidos) cavalgou livremente em terras brasileiras. E em sua descida para o Sul global fez vítimas outros países dessa imensa América. O capitalismo aqui se agigantou, traduzindo-se em projetos de crescimento a qualquer custo e arrasando a nossa economia. O Brasil se atolou na dívida externa, passando de cerca de US$ 3 bilhões em 1964 para quase US$ 100 bilhões no final da ditadura militar. Foi nesse contexto que o economista brasileiro Celso Furtado escreveu O mito do desenvolvimento econômico (1974), mostrando que o desenvolvimento não passava de uma versão maléfica de crescimento econômico limitado às elites, o que levava a população a grandes sacrifícios e a uma profunda carestia.

As consequências da ditadura militar no Brasil são indescritíveis. Elas poderiam ser classificadas em dois grandes grupos, embora evidentemente estejam inter-relacionadas. Um conjunto de heranças violentas, de censura, perseguições civis e políticas, tortura, exílio, dor e mortes praticadas contra pessoas, famílias, grupos e organizações. Mas houve outro conjunto de consequências diretamente vinculadas ao plano de desenvolvimento nacional concebido pelos donos do poder ditatorial. Plano que pretendia realizar um milagre econômico, mas que, na verdade, produziu grave dívida interna e externa, submissão/dependência nacional e exclusão social. Ideologia que conclamava a amar o país sem mexer em suas profundas contradições ou, então, forçava a abandoná-lo (“ame-o ou deixe-o”).

A ditadura militar produziu um trauma nacional. Múltiplos registros históricos relatam e comentam esse pesadelo. Entre outros, vale ressaltar os seguintes: O livro Batismo de Sangue, de Frei Betto (transformado posteriormente em filme); o livro Brasil nunca mais, com o prefácio escrito por dom Paulo Evaristo Arns; o documentário 1964 Um Golpe Contra o Brasil, de Alípio Freire; o documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares. Através da força bruta da ditadura, naturalizou-se a violência social e muitas arbitrariedades do Estado; destruíram-se identidades, violaram-se direitos e a dignidade humana de muitos foi anulada. Houve grande dizimação de populações indígenas, normalmente vistos como obstáculos ao desenvolvimento do país. A ditadura também sequestrou símbolos nacionais e utilizou-os como cobertores das atrocidades.

O período da ditadura representou o florescimento da mais fina flor do capitalismo selvagem, que preparou o terreno para o chamado neoliberalismo. Portanto, as heranças da ditadura são duras e perduram até nossos dias, associadas às heranças da escravidão. Há muita ditadura que se traduz em corrupção política e econômica, em práticas de trabalho escravo, em programas colonialistas veiculados pela grande imprensa, em uma lógica perversa que se instaura pela via do mercado total, que transforma tudo em mercadoria.

É preciso resistir contra todas as formas de ditadura. De outra parte, sabe-se que a democracia tem seus grandes desafios. Ela não é um modelo pronto, uma herança dada, mas uma construção diária. É necessário aperfeiçoá-la, radicalizá-la e expandi-la. Superar a mera democracia representativa e fazer avançar a democracia no aspecto econômico, jurídico, cultural, social, ambiental, enfim em todos os níveis e âmbitos.
Contra o mau uso da liberdade e da democracia, não cabe a ditadura, antes sim mais democracia e de melhor qualidade. A memória da ditadura não pode ser apagada; os traumas não devem ser naturalizados e os torturadores não podem permanecer impunes. A verdade e a justiça precisam continuar sendo buscadas não só por algumas comissões, mas por toda a sociedade a fim de construirmos benditas heranças nacionais. (15.04.2014)

Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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