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Alzirinha.
Ela é dessas mulheres que está sempre lá. Na cozinha muito limpa, panelas areadas como espelho, ela  recebe, quem chega, com um café fresquinho, passado na hora. Coisa boa!
Propriedade grande, casa simples, a riqueza ali é a paisagem. Alzirinha herdou o sítio do pai. A gente pode ver  ainda as rodas do moinho no quintal, atestando que tudo ali tem história e tradição. A água corre fresca e farta na bica. Dá uma sensação de saciedade só de olhar.

Pra chegar lá, a gente sobe muito… Saindo da estrada principal,  pelo caminho de terra,  vai subindo toda vida, passando por lugarejos, casinhas salpicadas aqui e ali, passa pelo alto, de onde se avista os dois vales: um de cada lado. José, seu marido, chegou a sonhar um helicóptero que levasse os turistas lá em cima da montanha maior pra olhar a imensidão de beleza que se derrama dali. Projeto ousado, pra quem, como ele, entendia mesmo era de lavoura de café, de milho, de tomate e de cuidar dos animais, que naquelas paragens é nome que se dá só a cavalos e vacas. Homem pra lá de trabalhador, brabo como ele só, mas prestativo e leal como poucos, enquanto viveu José não admitia a mulher trabalhando fora. Nem os filhos. Os dois, desde meninos ali, com ele, lado-a-lado na labuta diária.  Estudo quase nenhum, porque a colheita de chuchu, pimentão, galinhas pra cuidar, todo dia e madrugada ainda, ordenhar as vacas e trazer o leite pra Alzirinha fazer os queijos, esgota o tempo, no afazer sem fim.

Bem que ela tentou ir mais adiante um pouquinho. Teve vaga na Escola da vila , pra ser merendeira e ela queria ir. Ficava tão pertinho! Como ela desejou aquele emprego! Talvez ela quisesse mesmo era um pouco de companhia feminina. Um pouquinho de conversa mais comprida, com as professoras. O dia todo só com homem a seu redor!

Mas José não quis nem discutir. Assunto encerrado! Pra que trabalhar fora se não lhe faltava nada em casa, e muito menos faltava serviço?

Alzirinha agradou o marido. Continuou sozinha em casa, enquanto eles iam e vinham do campo e ele na compra e venda dos produtos. Sempre amável, ela  nunca se queixava. Só o peito lhe miava, com a asma que denuncia a ansiedade reprimida. Mas sem lamentação.

Um dia José se foi. Muita lida, pouco cuidado com os limites do corpo, morreu trabalhando mais que podia.

Aí Alzirinha chorou, mostrou o quanto estava sofrendo  e não escondeu que agora se sentia, mais que tudo, desprotegida. Afinal era João quem sempre cuidara de tudo. Como viver sem isso? Casara tão mocinha! Nunca saíra dali e nem pudera aprender muita coisa a mais das coisas da cidade, de seus direitos  a providenciar e garantir.

Os filhos, mais livres agora,  trataram logo de arranjar namoradas. Sem o pai/patrão ficava mais fácil dar umas escapulidas até o centro no domingo. Em poucos meses estavam casados, os dois. E trouxeram para ali suas moças, que chegaram trazendo novos ares. Das três mulheres vai surgindo o fortalecimento do feminino  naquela casa.  De dois estilos diferentes, uma nora lembrava à Alzirinha a ousadia que não desenvolvera  em si mesma  e a outra reforçava, nela, seu lado sedutor e doce, ainda quase em embrião. Delas, lhe nasceram dois netos. Homens. Alzirinha cuidou junto,  relembrando, no zêlo com os bebês, o início de sua vida de mulher casada. Foi curando, assim,  a ferida da saudade…

Aí sua mãe adoeceu, lá na cidade. Boa filha, ela passou a dedicar o tempo livre a cuidar um pouco da velha mãe. Numa dessas visitas reviu um amigo de infância. Que prazer! Também ele, viúvo, agora. Conversaram  e lembraram como gostavam de papear, quando crianças. E os dois têm tanta vida pra passar a limpo!

Começo de uma nova história, que faz surgir uma nova mulher: Alzira.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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