
eu bem queria fazer um poema sobre a minha cidade
eu bem poderia fazer um poema sobre esta bela cidade
e suas pontes, seu rio lento, sua claridade
suas manhãs azuis e suas noites cheias de murmúrios
mas este poema não será sobre a minha cidade
nem será sobre nada que eu veja ou tenha visto.
este poema – se é que isto é um poema –
será sobre aquilo que todos sentimos, às vezes
mas não ligamos, porque a vida é assim mesmo
sobre aquilo que todos sabemos à exaustão
mas pelo que não vale a pena parar, porque não adianta
sobre o que temos no íntimo, que desliza por um fio
o que faz sermos o que somos, mas não nos pertence.
enfim este poema sem rumo, desordenado, sem oriente
quer falar da vida, da passagem incessante da vida
quer se possível saber aonde vão os sonhos
que um dia nos deixam, que em algum dia, talvez como este
entre a infância e a velhice se desprendem de nós
como uma ferida perde a casca ou um tecido perde a cor.
este poema – se é que isto é um poema –
sem rumo, sem sentido, sem objetivo
quer saber por que sonhamos alguma vez
e de que morrem os sonhos
(este poema queria mesmo era reinventar o tempo
para que todos os sonhos, mas nem todos os destinos,
se realizassem, enquanto esquece a cidade
e suas pontes, seu rio lento, sua claridade).
Obs: Texto retirado do livro do autor – É Lenta a Palavra Tempo –