Djanira Silva 15 de março de 2016

Djanira foto

[email protected]
www.djaniragamboa.blogspot.com.br

Criança, reagia diante de mudanças e imposições. Não queria ir para a escola, nem escovar os dentes, nem comer legumes ou pentear os cabelos, dormir e acordar cedo. Queria viver num mundo simples onde pudesse tomar sorvete a qualquer hora, comer chocolate antes do almoço e acreditar que as mães não morrem nunca.
Ninguém respeitava minhas escolhas. De nada adiantava o comando dos adultos. O Eu que mandava em mim queria mesmo era fugir da escola, jogar pião na calçada da igreja, bola de gude com a molecada no meio da rua, roubar uvas no parreiral de d. Laura e namorar o filho dela. Castigos não me intimidavam. Todos os dias novas transgressões. Na volta do colégio, bagunça e molecagem. Dois dedos na boca, e o assobio cortava o ar feito uma navalha. Na carrocinha de raspa raspa de Seu Antônio, comprava pirulito, nego bom e pipoca. Tudo fiado. Não parava por aí. Pisava na grama, molhava os pés no tanque da praça, e, de vez em quando, afogava um peixinho no ar. Minha mãe pagava os fiados, meu pai recebia as reclamações, eu, os castigos. Tudo em vão. Havia sempre uma desobediência à minha espera.
Volto do sono. Olho ao redor. Nada de novo no mundo dos adultos. Nada que me interesse.
Seguro as rédeas das indecisões e vejo que minha maior reação é contra ordens. Na verdade, não sei o que quero, sequer acredito no que penso.
Respeito o mistério das coisas que não posso explicar. Explicações destroem os mistérios.
Não perco tempo. Aumento a velocidade das lembranças.

Mudei, mudou o tempo, morreu o sonho. Hoje prendo-me à sequência dos dias. Uma realidade arrumada se interpõe entre querer e fazer, sonhar e ver. As imagens se recompõem na indecisão dos pensamentos. Sinto saudades da força do meu pai que eu, criança, não conseguia entender. Da minha mãe herdei uma tristeza que procuro disfarçar com sorrisos e ironias, sentimentos tão letais quanto a morte.
Como se eu fosse outra pessoa digo a mim, todos os dias, que sou feliz. Preservo tudo quanto pensei, amei, acreditei. De ser criança não tive culpa, se cresci também a culpa não foi minha.
Leio e releio, página por página, a minha história. Nada de novo. Nada de velho. Tudo sem sequência, sem coerência. Contradições, arrependimentos. Nascer, viver, crescer, morrer em paz.
Caminho sem pressa, chegarei assim mesmo.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]