Resumo
A intenção deste trabalho corresponde a uma discussão inicial sobre uma problematização atual: a formação para cidadania, elegendo-se o trabalho pedagógico do professor como objeto de estudo empírico.
Com isso, busca-se ressaltar a construção de um trabalho voltado para os interesses dos alfabetizandos e do contexto no qual se encontram inseridos, cuja dimensão pedagógica esteja atrelada à práxis libertadora.
Palavras – chave: educação de jovens e adultos, cidadania e trabalho pedagógico.
Notas introdutórias
A realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. Se os homens são produtores desta realidade e se esta, na “inversão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens. (FREIRE, 2005, p.41.)
A epígrafe, retirada de um autor brasileiro bastante atual, mostra que se pode comparar a educação a uma chave que abre a possibilidade de transformar o homem anônimo naquele que sabe que pode e é capaz de escolher. Um sujeito participante, consciente, construtor de sua história e que assume a responsabilidade dos seus atos e das mudanças que fizer acontecer.
No artigo 205 da República Federativa do Brasil vê-se a educação como direito:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (1988, p.137)
O trabalho dirige-se a compartilhar o desejo da continuidade da pesquisa no caminho de ruptura paradigmática do trabalho pedagógico do professor, com vistas a formação da cidadania em consonância com os dispositivos legais e projeto de Educação como direito. Inicialmente aborda-se a conexão cidadania, educação de jovens e adultos e direitos humanos. Em seguida, tecem-se considerações específicas da intenção da pesquisa em andamento no âmbito da alfabetização de jovens e adultos.
- Cidadania, educação de jovens e adultos e direitos humanos: uma conexão necessária
Na contemporaneidade não se vê o termo cidadania com um só olhar daí emanar conotações diversas. A cidadania, portanto, não se limita a uma palavra apenas, uma ideia um discurso, nem está fora da vida da pessoa. Ela começa na relação do homem consigo mesmo, até se expandir até o outro e se amplia para o contexto social no qual esse homem está inserido. O tema passou estar mais presente, inclusive no Brasil, aparecendo na fala de quem detém o poder, na produção intelectual e nos meios de comunicação em geral, e junto às camadas mais desprivilegiadas da sociedade.
Ao se buscar a origem da cidadania remete-se a polis grega. Está relacionada ao surgimento da vida da cidade, à capacidade de os homens exercerem direitos e deveres de cidadão. Nessa lógica, indaga-se, o que vem a ser cidadão então? Segundo Covre:
Para muita gente, ser cidadão confunde-se com o direito de votar. Mas quem já teve alguma experiência política, no bairro, igreja, escola, sindicato etc., sabe que o ato de votar não garante nenhuma cidadania, se não vier acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural. Podemos afirmar que ser cidadão significa ter direitos e deveres, ser súdito e ser soberano. (1995 p. 8-9)
Ao analisar-se o que diz a autora, tendo como pressuposto a noção de cidadão, o que se pretende observar nas salas de educação de jovens e adultos é como o educador vai motivar seus educandos a desenvolverem a sua autonomia e o senso de responsabilidade, lidando com as transformações que ocorrem na economia, na cultura, na política e na sociedade, promovendo sua participação criativa e crítica nas comunidades, na sua região, no país, construindo seus próprios destinos e enfrentando os desafios que se encontram à sua frente.
A esse respeito, Freire adverte que se deve pensar:
[…] Não posso reconhecer os limites da prática educativo-política em que me envolvo se não sei, se não estou claro em face de a favor de quem pratico. O a favor de quem pratico me situa num certo ângulo, que é de classe, em que diviso o contra quem pratico e, necessariamente, o por que pratico, isto é, o próprio sonho, o tipo de sociedade de cuja invenção gostaria de participar. (2003, p.47)
Não é sem razão, então, que Ferreira chama atenção para a concepção de cidadania: “cidadania é como as cores, que não a podem ser pensadas sem extensão, só se configura quando encarnada em um indivíduo, o cidadão. É ele que realiza sua existência, enquanto ela lhe confere uma identidade”. (1993, p.19) Acredita-se a partir dessa reflexão, que a construção da cidadania inicia-se com a formação da identidade e da auto-estima, passando pelo conjunto de aprendizagens básicas para a convivência e se efetiva na solidariedade e na participação social.
Seguindo-se esta ordem de ideias, afirma-se que a educação de jovens e adultos é tanto consequência do exercício da cidadania como condição para uma plena participação nas camadas populares. Ela pode ajudar a resgatar a identidade do cidadão e dar um significado à sua vida.
Nessa perspectiva, ressalta-se que o espaço educativo não é mera abstração, ele é constituído pelos sujeitos que viabilizam a sua existência como professores, diretores, alunos, familiares, entre outros. E que nesse mesmo espaço tendo-se como ponto de partida a Educação de Jovens e Adultos, deve ser transformada de maneira a funcionar como uma instituição inserida nas redes sociais de apoio e de inclusão desses sujeitos históricos, mesmo que ainda sejam tratados como uma massa de alunos sem identidade, sendo excluídos, considerados “marginais” pelos que advogam o mercado e o capital, em detrimento do respeito e valorização da vida.
Com efeito, construir-se uma EJA que nos seus processos e ensino e suas relações, considere a inclusão social, implica pensar sobre as possibilidades de transformar a escola numa instituição aberta que valorize as experiências, expectativas e conhecimentos dos sujeitos; que demonstre interesse por eles como cidadãos e não somente como objetos de aprendizagens. O desafio que se apresenta corresponde a observar se a educação está propiciando aos alunos condições para desenvolverem seus estudos de forma que possam inserir-se na sociedade através do trabalho e do exercício da cidadania. Pois, nesse cenário encontram-se trabalhadores e não-trabalhadores, das diversas juventudes, das populações das regiões metropolitanas e rurais, dos internos penitenciários, contingentes esses, formados na grande maioria, por jovens, afrodescendentes, como também portadores de necessidades especiais, entre outros, que precisam ser respeitados nas suas singularidades.
Ao se relacionar cidadania, educação de jovens e adultos, não se pode prescindir de um debate no âmbito da educação em direitos humanos. A vivência dos direitos se dá no dia-a-dia da escola, da comunidade, da igreja, do sindicato e muitas vezes esses são desrespeitados pelos sujeitos que fazem parte desse contexto. Nota-se que até mesmo as instâncias que deveriam assegurar os direitos básicos a população fazem o contrário, ajudando a perpetuar a ideia de que cidadania é um conceito que existe apenas no plano teórico.
A escola como espaço educativo precisa cumprir sua função pedagógica e social e formar alunos conscientes de seu papel na sociedade. Ao tratar a função social da escola, Silva se refere a categoria escola democratizante:
À escola democratizante é associada a ideia de escola da comunicação, devendo priorizar na formação do aluno a capacidade de expressão, de compreender as mensagens escritas ou orais. É necessário trabalhar o diálogo, ensinando ao aluno a argumentar, analisar discursos e mensagens e principalmente a manejar a língua como instrumento de emancipação e autonomia. E, ainda, a escola deve ensinar a ler os meios de comunicação de massa, especialmente a televisão, que veicula mensagens descontextualizadas. (2000, p.66).
Sabe-se que os direitos humanos são essenciais ao homem, porque são indispensáveis para vida com dignidade, e a educação como um direito, deve preocupar-se em difundir por meio de diferentes estratégias, a cultura da busca e do reconhecimento dos Direitos Humanos em sua plenitude, instigando assim, a construção de uma sociedade consciente, preparando cidadãos que saibam de seu papel social na luta contra as desigualdades e injustiças. Com base na esfera dos direitos humanos, põe-se em discussão o trabalho pedagógico do professor da alfabetização de jovens e adultos.
2. Alfabetização de jovens e adultos: o trabalho pedagógico do professor em xeque
Ao conferir-se um sociológico a Alfabetização de jovens e adultos e trabalho pedagógico do professor, no contexto da inclusão social, remete ao entendimento que as desigualdades de direito a construção do conhecimento não é nova. Segundo Luckesi:
O processo sociológico de subtrair a população da possibilidade de acesso concreto ao conhecimento não é novo. Historicamente, desde que a sociedade se organizou em classes sociais, o segmento dominante assumiu para si o direito de acesso aos conhecimentos significativos, encontrando mecanismos, explícitos, ou não, pelos quais, ao longo do tempo, conseguiu alijar as maiorias populacionais do acesso aos mesmos. (1991, p.7).
Ao defender o argumento de ter-se um olhar crítico frente a manutenção do status quo Romanelli reconhece que:
Neste caso, a educação é encarada diferentemente, conforme os interesses das camadas sociais em polarização. Às camadas dirigentes, que vêem na mudança uma ameaça a sua estabilidade, importa evidentemente manter o sistema educacional dentro de suas funções conservadoras e controlar a expansão que a pressão das camadas emergentes induz o sistema a criar. Para as camadas emergentes, interessadas em mudanças que lhes assegurem a realização de seus propósitos, a educação escolar deve modificar-se de acordo com esses propósitos. (1999, p.109).
O palco de contradições cujo alvo corresponde-se à formação do sujeito coletivo capaz de mudar a realidade circundante através de uma práxis consciente e transformadora, terá sido modificado quando a educação estiver menos divorciada da democratização do acesso ao conhecimento.
No contexto de tais reflexões, assegura-se o interesse de estudo sobre os do trabalho pedagógico do professor na alfabetização de jovens e adultos: (des)encontro com a formação para cidadania. A pesquisa em processo que aqui se apresenta tem como objetos de estudo teórico (A inovação pedagógica no âmbito da formação para cidadania) e empírico (O trabalho pedagógico do professor da alfabetização de jovens e adultos).
Trata-se um estudo de caso no qual se tem como questões norteadoras: Até que ponto o trabalho pedagógico do docente da Educação de jovens e adultos (EJA), no âmbito da alfabetização, tem contribuído para formação da cidadania? Qual o lugar da dialogicidade, sob a forma como este desenvolve o trabalho pedagógico comprometido com a cidadania?
Como procedimento básico opta-se pela análise documental, por entrevistas semi-estruturadas com gestores públicos estaduais, professor e estudantes e pela observação do trabalho pedagógico do professor.
Quanto à análise dos dados coletados elege-se trilhar o caminho da análise de conteúdo. (BARDIN, 1977). Na atualidade o estudo se situa na revisão bibliográfica e participação nos seminários (iniciação científica) de acompanhamento com o orientador.
Caminhando-se nesta reflexão na perspectiva histórico-crítica, importa-se pensar a omissão e/ou o desafio de trabalhos pedagógicos inovadores pelo professor alfabetizador da EJA no contexto da formação para cidadania.
Referencias bibliográficas
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. 223 p.
BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. 292 p.
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense, 3 ed.1995. 78 p.
FERREIRA, Nilda Teves. Cidadania: uma questão para a educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. 264 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. 213 p.
____________. Política e Educação. 7 ed. São Paulo: Cortez , 2003, 119 p.
HOFFMANN, Jussara. Pontos e Contrapontos: do pensar ao agir em avaliação. Porto Alegre: Mediação, 1998. 140 p.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Educação Básica: um compromisso inadiável. Revista Tecnologia Educacional. Rio de Janeiro, ABT, 1991, v.20, pp. 7-11.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil.Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1999. 267 p
SILVA, Aida Maria Monteiro. Escola Pública e a formação para cidadania: possibilidades e limites. www.dhnet.org.br/dados/teses/edh/br/pe/teseaida.pdf Mar. 2006
Obs: A autora é docente pesquisadora e extensionista da Universidade de Pernambuco.
Participaram do trabalho acima, além da autora : Nadja Maria e Suzana Kelly.
. Imagem enviada pela autora.
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A FORMAÇÃO CIDADANIA TEXTO