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Em nossos dias todos nós experimentamos, em graus diversos, certa solidão. Mesmo com enorme riqueza dos modernos meios de comunicação e de locomoção, da difusão generalizada dos celulares na sociedade e da patente liberdade de pensamento e de expressão. Por que acontece isto? Vejamos. Por um lado, nossa atual cultura favorece a vivência da subjetividade, que permite a cada um estruturar sua vida como melhor lhe parecer, sem coação da sociedade ou da tradição. Pois o mundo pluralista em que vivemos oferece ao indivíduo amplo leque de possibilidades para construir sua autobiografia. Mas, por outro lado, esta oferta generosa de sentidos deixa desorientados muitos de nossos contemporâneos, pois estes carecem de referências sólidas e aptas para discernir o que devem escolher. Nesta situação cedem à pressão de uma cultura que privilegia a eficácia e a produtividade, dobram-se ao bombardeio constante da mídia em favor do consumo desenfreado de bens e da busca por uma felicidade imediata, tornando-se assim prisioneiros do individualismo.

As outras pessoas são então vistas na ótica do próprio interesse e bem-estar, as relações sociais se tornam interesseiras, os laços afetivos superficiais, os compromissos frágeis. Daí a solidão sofrida por muitos em nossos dias, apesar de toda a abundância de bens de consumo e de informações eletrônicas. Daí também a busca por grupos onde possam verbalizar seus problemas, partilhar suas angústias, relatar seus sucessos, abrir seus horizontes, ou simplesmente, ajudar aos outros, entrar em seu mundo, experimentar fazer o bem. Porque o ser humano só se realiza numa comunidade humana, já que todos nós somos fruto de comunidades que nos plasmaram a personalidade, a começar por nossa família e nossa escola, até as pessoas que nos foram e são significativas em nossa existência.

Esta mesma necessidade experimenta o cristão. Numa época em que se sente um pouco como peixe fora d’água, ele deseja naturalmente encontrar pessoas que partilhem sua fé e suas convicções, que falem sua linguagem e enfrentem seus desafios. O compromisso com a pessoa de Jesus Cristo gera necessariamente comunidades de fé. Aqui temos a razão do que chamamos Igreja, a saber, a assembléia dos que acolhem a Palavra do Evangelho na mesma fé. À primeira vista estaria resolvido para os cristãos o problema do individualismo na atual cultura. Infelizmente não. Pois as atuais paróquias, urbanas em sua grande maioria, abrigam milhares de católicos impossibilitando a existência de relações primárias e diretas e, por conseguinte, uma convivência realmente comunitária. O que fazer?

Primeiramente tenhamos bem claro que Igreja existe não só como paróquia ou diocese. Qualquer grupo de cristãos reunidos em nome de Cristo constitui também uma modalidade de Igreja. Estes grupos menores permitem o conhecimento mútuo, a confiança recíproca, o apoio fraterno, assim como a escuta freqüente da Palavra de Deus, a oração em comunidade, o exercício da missão. Alguns destes grupos se formam em torno de uma determinada espiritualidade, outros da mesma atividade profissional, outros ainda a partir de situações existenciais comuns. São importantes porque proporcionam uma autêntica experiência de comunidade eclesial, tão necessária em nossos dias. Fundamental é que estejam abertos a outros grupos semelhantes, à paróquia e à diocese. A colaboração na paróquia revela sua autenticidade cristã e sua identidade católica, por não serem grupos fechados e impermeáveis aos demais. Assim, a paróquia é hoje considerada uma “comunidade de comunidades”.

Julgo que todo católico deva ser membro de uma pequena comunidade eclesial. Aí ele poderá mais facilmente integrar fé e vida, como tão bem ficou demonstrado pelas Comunidades Eclesiais de Base. Ser cristão é afinal procurar viver a vida de cada dia à luz do Evangelho. Sacramentos e celebrações, práticas e orações existem apenas como meios para este objetivo. A esfera religiosa não se situa ao lado da vida real, mas em seu interior animando-a e orientando-a. Na pequena comunidade eclesial ele poderá também participar ativamente na vida da Igreja, com sugestões e iniciativas, compromissos e responsabilidades, como deseja o Concílio Vaticano II. O que toca à Igreja, toca a cada um de nós. Não a temos diante de nós para louvá-la ou criticá-la, pois somos nós mesmos que constituímos a Igreja. E, sobretudo, através da pequena comunidade o católico poderá realizar e desenvolver melhor a dimensão missionária de sua fé, atuando em sua família e em seu meio profissional, talvez em locais e situações onde jamais estará um sacerdote, sendo ele aí a própria Igreja em sua missão evangelizadora. Lembremos que o Concílio Vaticano II reafirmou que a propagação do Reino de Deus é tarefa “de todos os membros da Igreja, embora de modos diversos” (LG 17; AA 2).

Estar inserido e ativo numa comunidade eclesial traz ao leigo católico uma nova e plenificante experiência de pertencer à Igreja, de caminhar ao longo da vida junto com outros de mesmo ideal, de trazer em grupo uma colaboração maior para o amor e a paz, a justiça e a fraternidade entre os seres humanos, enfim, de assemelhar mais a humanidade do que quer Deus. Diante dos enormes problemas e ameaças à sociedade mundial em nossos dias, em face das múltiplas questões que ultrapassam nossos conhecimentos e nossas possibilidades, parece ser esta nossa colaboração algo demasiadamente modesto e até insignificante. Porém a história do cristianismo, desde seus primeiros anos, atesta que é na fragilidade da condição humana que se manifesta a força de Deus. Temos que ser constantes e persistentes, confiantes em Deus, alegres na esperança. Pois é assim que atua o sal na terra, o fermento na massa e a luz no mundo.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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