Tassos Lycurgo 15 de março de 2016

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Fui certa vez à cidade de Pau dos Ferros. Lá, inquiri sobre o nome “sertão”. Vi que, no que concerne à origem deste nome, nada sabiam os poucos vaqueiros com os quais conversei. Bem esperava tal resultado, pois tal nome, vale dizer, deixou tanto uns quanto outros um tanto indecisos e, mais que isso, irresolutos, quanto à sua origem. É bem verdade que, no caso em questão, eu — confesso —, a história do nome “sertão”, domino-a menos no conhecimento ou na memória do que na inventiva, pois é ela, a arte de imaginar que, em grande parte, possibilitará o discorrimento a respeito da contenda, fazendo com que fique tal topônimo com sua devida explicação. Vamos, então, ao inefável misto de imaginação e pirueta do argumento.

Primeiramente, havemos de olhar para o nome “sertão”, depois, identificar as suas características. Desta feita, vê-se logo ao final da palavra um “ão” inquietador. Ora, o “ão” de sertão não parece ser um “ão” como os de “acessão”, de “pão” e de “feijão”; mas, ao contrário, assemelha-se ao sufixo nominal que significa amplificação, acréscimo, aumento. “Sertão”, portanto, deve ser aumentativo de outra palavra e, sendo tal o caso, assim como “facão” é aumentativo de “faca”, “sertão” o será de “serto”. Mas, assim como vai ao chão a fruta podre, vem-nos imediatamente a dúvida concernente ao que quer dizer a palavra “serto”.

Antes de ser tal dúvida um desestímulo, há de ser alimento para uma outra cabriola do pensamento. Ora, como a palavra “serto” não existe nos dicionários, ela deve ser contração de outro termo. Basta-nos agora, portanto, a simples busca das palavras em português cuja contração poderia se resumir em tal vocábulo. Vê que, até onde sei e posso me lembrar, cinco são as palavras básicas desta natureza. Ei-las: asserto, conserto, deserto, diserto e, por fim, inserto. Mas, como “sertão” é nome de região — um topônimo —, havemos de ver qual das referidas palavras condiz com tal característica.

Vê-se logo, então, que das cinco, apenas uma pode ser atribuída a um lugar, que é, como se pode facilmente coligir, “deserto”. Assim sendo, por ser apenas esta a palavra que tem na forma a possibilidade direta da adjetivação de um local, havemos de escolhê-la, privilegiá-la na contextura de nomeação de uma região. Pronto, com um quê de imaginativa e dois ou três de pressa, excluíram-se as outras quatro palavras e resolveu-se o dilema: “sertão” vem de “deserto”, e, por estar no aumentativo a palavra, aumenta-se a idéia: “sertão” é proveniente de “desertão”, grande deserto.

À parte isso, ainda resta uma reflexão, fruto das concatenações semânticas: deserto, por definição da própria palavra — do latim “desertu” —, deveria ser o mais ermo e desabitado dos lugares. Entretanto, nas andanças pelos sertões rio-grandenses-do-norte, como bem muitos já me disseram e um sem-número de vezes pude constatar, vêem-se homens fortalecidos pelas vicissitudes da vida e animais de maior porte perambulando à vontade de seus arreios ou de suas enormes apetências. Sendo assim, como poderia provir de “deserto” o nome “sertão”, já que este se refere a um lugar habitado? Não bem saberia a resposta, se não fosse um dos vaqueiros, o Adligeno, que de certa feita me disse: “Aqui, ser tão sertão é a regra. Pode ter muitos, mas todo mundo, no fundo, é sozinho, solitário…” É isso, o vaqueiro Adligeno, mesmo sem saber, parafraseou Mauriac, quando este disse que “chacun de nous est un désert” — cada um de nós é um deserto —, e, como acréscimo à referida paráfrase, o vaqueiro deu a justificativa final à etimologia da palavra em questão.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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