Djanira Silva 1 de fevereiro de 2016

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Foi assim, num dia assim, tão triste assim, que, sem tempestades e trovoadas, a lâmina do silêncio dividiu minha alma. A que ficou, sobrevivente de si mesma, foi esta aqui.
Da que se foi eu sabia de tudo, das manhãs e das noites, das tristezas e dos prazeres, de todas as horas vividas sem o temor das incertezas. Dela, ainda sinto as palpitações do mundo nos odores, nos sons, nas mudanças do tempo. O calor do corpo nos lençóis, o perfume dos cabelos na maciez dos travesseiros, arrepios de prazer, frutos maduros colhidos nas madrugadas.
Nada me impede de sonhar.
Durmo em alerta. Acordo na espera. Assim, todos os dias, até que o mundo se apague. Na escuridão as sombras ressuscitam lembranças. Só elas sabem dos mistérios das idas e das voltas.

A dor fura-me a alma, transforma os sonhos em fantasmas divididos.
Aves de rapina, agourentas, asas e bicos multiplicados, prontos para atacar. Preciso habitar novamente o mundo, me identificar com o feio e o belo, o divino e o sórdido, encarar sem medo este lado mortal ferrado na carne, argamassa de sangue.
Nada me impede de esperar.
Consumida entre noite e dia, vida e morte, riso e dor, corpo e alma, perco-me no enredo dos contrários. Não vejo as sinalizações. Pouco importa, ainda não sei para onde vou.
O olhar escureceu antes do tempo. Porta fechada, luz apagada, cama desfeita, saudade de plantão, noite assombrada.
Quando o invisível apagou a luz, acendeu estrelas, revelou estradas e bloqueou caminhos.
Nada me impede de sonhar.
Na magia dos movimentos desperto em tuas mãos. O arco-íris atravessa meu corpo. Então, nos teus braços, morro e renasço, luz que se apaga, luz que se acende.
Revisito o mundo. Planto certezas ao longo dos caminhos, polinizo as flores dos campos, banho-me nos regatos e nas cachoeiras, deito-me em covas rasas e fundas, escrevo meu nome nas lápides e nos mausoléus, vejo tua imagem refletida nos vitrais dos conventos, e, ao cair da tarde, descanso do benefício da espera ao som monótono de Cantos Gregorianos.
Escrevo a vida sem ponto final no caminho das idéias. Descubro o mistério e a leveza do suspiro, anulo a certeza do último, daquele que apagou teus olhos.

Por um momento, amei, amei os grãos de areia de todos os desertos, o pulsar de todos os corações, as ruínas de templos e palácios, de todas as chuvas, das sombras do sol, das lágrimas que caem em segredo.
A solidão enfunou as velas do barco. As nuvens se desencontraram.
Num dia, a presença. No outro o para sempre. O nada.
Como viver agora se só tenho meus olhos?
Todos os dias acendo tua vida como quem acende uma vela ao pé do altar.
Nunca pude esquecer o teu olhar, o derradeiro, o que escreveu no meu rosto esta saudade.
Sem ti já não me servem os caminhos da volta.

Para descansar de mim colho os frutos plantados nos quintais da minha infância e espero, espero até que o relógio marque a hora certa.
Escrevo com a máscara sobre a mesa para poder chorar.
Sentimentos redondos sem começo e sem fim desenterram fantasmas. Enterram na alma uma dor sem remissão.

O esquecimento ameaça-me os sonhos com o silêncio da ausência.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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