Marcelo Barros 1 de fevereiro de 2016

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Nesse início de 2016, em meio à onda de pessimismo e prognósticos de desesperanças que inundam o Brasil, temos uma boa notícia: nesses dias (de 19 a 23 de janeiro) aconteceu em Porto Alegre um Fórum Social que celebrou os 15 anos dos fóruns sociais. A meta era fazer um balanço desse processo, analisar os desafios e apontar perspectivas para o futuro. Dentro desse fórum mundial, realizou-se o Fórum Social da Educação Popular.  Nele, universidades,  organizações de governo e o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra partiram da convicção de que “uma verdadeira e profunda democratização das sociedades passa necessariamente pela democratização do conhecimento”.

De fato, devemos reconhecer que, nos últimos 12 anos, no Brasil, a Universidade se tornou mais acessível às camadas mais pobres. Há mais de 25 anos, a secretária de uma universidade pública acompanha as matrículas. Ela garante que, até alguns anos, era raro uma família pobre conseguir colocar seu filho ou filha na Universidade. Atualmente, programas como PROUNI e outros têm ajudado a democratizar o acesso ao ensino universitário. Isso não basta. Essa conquista deve ser valorizada, mas ainda há um longo caminho a percorrer. É preciso abrir a universidade ao saber popular. A metodologia acadêmica garante  seriedade na pesquisa. Entretanto, quando se fecha no racionalismo erudito, se torna árido e empobrece.

É preciso abolir o muro de divisão que separa as universidades e as organizações e comunidades populares. A educação popular que nasce nas comunidades negras e indígenas, na sabedoria do povo da roça e nas tradições urbanas das diversas regiões do Brasil começa a ser visto como algo que interessa às universidades não apenas como objeto de pesquisa antropológica e sim como uma sabedoria que tem muito a nos dizer para enfrentarmos as crises da sociedade atual. Na luta dos lavradores em defesa da terra e das raízes crioulas, na caminhada dos operários e dos sem-teto nas cidades e na organização dos povos indígenas, os princípios da educação popular têm sido fundamentais e têm garantido muitos avanços e conquistas. Dessas experiências, brota um modo de ver a vida que envolve teoria e prática. Contém uma metodologia de educação que articula diversos saberes e experiências. Assume as formas musicais e artísticas das culturas regionais e comunitárias. Assim, procura sempre servir ao protagonismo das classes populares no trabalho de transformação da sociedade.

Um dos pioneiros em elaborar uma teoria da educação que uniu ciência e saber popular foi Paulo Freire. Esse grande mestre nos ensinou o caminho: partir da realidade do educando e fazer todo o processo da educação através do diálogo crítico e amoroso. E ter como meta a transformação do mundo e concretamente da vida do povo. A alfabetização de adultos iniciada por Paulo Freire e sua equipe conseguiu resultados maravilhosos no Brasil, em Cabo Verde na África e em todos os países onde foi experimentada. Sem dúvida, é um método a ser sempre atualizado e aprimorado, mas seus princípios são até hoje válidos e fecundos. Através de elementos como cânticos, danças, expressões artísticas e costumes, a educação popular nos mostra que o comunitário tem prioridade sobre o individual, embora nunca passe por cima das pessoas e dos direitos de cada um. A educação popular nos ajuda a analisar a realidade social e a situação política brasileira. Essa passa a ser vista, não pelos olhos da elite interessada em manter seus privilégios e sim a partir dos interesses das camadas mais pobres do povo. E alimenta a confiança de que outro modelo de sociedade é possível e urgente.

Esse fórum social, realizado em Porto Alegre, colaborou para que se removam os muros que separam a cultura acadêmica da educação popular. O diálogo das Igrejas cristãs e de outras tradições religiosas com pessoas e organizações de base também têm se servido muito dos princípios da educação popular. A metodologia do diálogo e a horizontalidade nas relações devem estar nos processos de formação de jovens e adultos para viverem uma fé amadurecida e crítica, inserida no mundo. Também no serviço social das Igrejas aos lavradores e pobres das periferias urbanas, o diálogo aberto nos aproxima da proposta de Deus. Na maioria das tradições, o Espírito Mãe se revela a nós como Amor e nos indica o caminho da vida comunitária como sendo meio de comunhão com o divino em nós e no universo.

Obs: O autor é monge beneditino e escritor.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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