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No tempo da Escola Viva, lá em Petrópolis, tínhamos um conjunto de fantasias para os jogos dramáticos das crianças, conhecidos como “Os Heróis da Cidade”.

Produzidas por artistas cariocas, cujos nomes infelizmente não lembro mais, para citar aqui, eram roupas de personagens do cotidiano, que encantavam a criançada. Tinha a caracterização da dona de casa, do cantor pop, do policial, da professora, do médico, do político e ia daí em diante, numa série interessantíssima.

Adquiri esse material logo que me foi apresentado, com muita convicção do sucesso que faria, exatamente porque tinha em casa a comprovação de como as crianças observam e admiram os heróis de seu cotidiano. Meu filho mais velho, aos três anos, quando começara a se encantar pelo  Batman, e pelo Super-Homem, elegeu igualmente, como super-heróis o Fittipaldi e o gari de nossa rua, em Petrópolis, que passava rodando os latões de lixo, com seu macacão laranja, onde se lia, pomposo, o nome da empresa coletora. A perícia do homem do lixo em executar tão perfeitamente o malabarismo musical com a lata vazia, fazendo-a dançar e cantar no contato com o  chão, impressionava o menino criativo que ele era e tornava aquela cena imperdível, todas as manhãs. Para o menino Marco, todos eram igualmente fabulosos e ele se vestia  a cada dia com uma vestimenta que o fizesse semelhante a seus modelos heróicos. Como não havia roupa infantil de super-herói no Brasil daquela época, eu mesma confeccionava as capas e as máscaras que ele tanto desejava e, no Natal, Marco pediu à tia uma roupa igual a do gari, que foi feita com esmero e gerou inveja nos outros meninos e espanto, é verdade, em alguns adultos, que não entenderam tão facilmente aquela eleição do gari. Já o macacão de corredor de automóveis, aprovado como “politicamente correto”  se encontrava nos modelos mais sofisticados de agasalhos infantis e ele “herdou” logo dois, de coloridos diferentes. Era uma delícia vê-lo brincar  de ser herói e havia até um vizinho que ao passar pelo portão, lhe perguntava:

– Quem você é hoje?

Dessa forma, quando, anos mais tarde,  me chegaram  os “Os Heróis da Cidade”, à Escola,  pude oferecer a todos os meus alunos a oportunidade de, como meu filho, entrar e sair do espaço transicional, experimentando fantasia e realidade com segurança e fortalecendo, nesse ir e vir, sua personalidade, na compreensão gradativa de situações onde  o Bem e o Mal, igualmente presentes na vida de cada um,  iam, pouco-a-pouco lhes permitindo a formação de sua escala de valores.

Tanto tempo passou e, agora, sempre que abro um jornal ou ouço um noticiário de TV, penso em como se dá pouco valor aos heróis anônimos de nosso dia-a-dia, esses que, educadores de tempo integral, estão aí pais, mães, professores, motoristas, garçons, atendentes, jornaleiros, porteiros, babás, cozinheiras, garis, lavadeiras e tantos mais,  desempenhando suas diversas funções com atenção, seriedade, zelo, integridade, dedicação. Pelo contrário, o que se usa, hoje em dia é dar destaque a atuação dos ladrões, dos corruptos, dos assassinos, dos traficantes, dos drogados, dos que têm comportamentos imorais, desequilibrando completamente o contato com a noção  de Bem e de Mal, formadores e estruturantes, principalmente durante a  infância e a adolescência. Isso, num momento em que a mídia exerce tal poder, que há quem duvide da existência real  daquilo que não é noticiado.  Esse estado de coisas acarreta, sem nenhuma dúvida, conseqüências danosas irreparáveis.

Pois, para minha grata surpresa, ontem, lendo o JB, encontro como manchete e em destaque, na página central, no caderno Cidade, uma reportagem que apresenta e enaltece um educador especialíssimo: um PM que, atuando como guarda de trânsito em Copacabana, vem dando a todos àqueles com quem convive, crianças, adultos, idosos, em qualquer situação que se apresente, a atenção de formador e vigilante dos valores positivos.

Saber que existe este Douglas Alves de Menezes, cuidando de sua parcela de responsabilidade social, me faz criar novas esperanças no ser humano. Porque, na verdade, vivo procurando as estrelas da minha constelação, espalhadas por esse nosso Universo tão complexo. Quero mesmo saber onde estão os que, como eu, acreditam que estamos aqui para aceitar, a cada dia, a extensão máxima do nosso comprometimento com a Vida.

Pois senti, ali,que encontrara mais um companheiro nessa jornada. E não um só, certamente. Porque os moradores daquele bairro que o valorizam, são também parte desse grupo,  assim como a  equipe do jornal que o encontrou e escolheu dar a ele esse destaque.  Numa sociedade saudável, os adultos, somos, e temos que ser todos, educadores, convictos de que cada ato nosso pode influenciar outro ser  humano e, dessa forma, ir construindo um futuro possível, mais feliz para todos.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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