Jose-Albertoatualizado

Ex-Director do INETI (Coimbra)
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O Natal passou, mas em vez de esperança trouxe um destino margoso. Excepção feita aos tradicionais ricos e a uma mão-cheia de novos abastados, as classes média e baixa têm de reconstruir um alento de vida ancorado em malfeitorias. Na animação do paraíso democrático, os políticos sofisticam o modo de vender gato por lebre, a coberto de arrufos misturados com posturas cândidas, não só no palco da Assembleia da República, mas também em conversas de família tidas na televisão. Saber vender a imagem colhe votos, mesmo que as ideias se encavalitem, de modo caótico, na morada do juízo. Nos tempos que correm, virou vício tentar vender um mau produto em tom de prece, esquecendo a quem assim actua, que Jesus de Nazaré expulsou os vendilhões do templo que negociavam de modo parecido. Numa das conversas televisionadas, o primeiro-ministro aconselhou os professores a migrar para Angola e Brasil, facto que me fez recordar o êxodo para as colónias, Brasil e França durante o Estado Novo, e para o Brasil e Macau durante o PREC (Processo Revolucionário em Curso).

Salazar ignorou a grande indústria transformadora até início da década de sessenta do séc. XX, deu espaço à exploração mineira, à florestação, à construção de barragens, às pescas, ao latifúndio e à economia de subsistência. Disseminou escolas primárias por toda a parte, limitou a criação de escolas comerciais e industriais, liceus e universidades, fez passar a ideia que só havia saída para um estrito número de diplomados com curso superior e fomentou a emigração. Passos Coelho assiste ao desmoronamento do tecido industrial português, a pensar no polémico minério de ferro de Moncorvo, que Marcello Caetano sonhava integrar na siderurgia de Sines, e prepara-se para sugar as classes média e baixa com impostos. Tem excesso de escolas do básico e secundário, défice de escolas profissionais equipadas para o saber fazer e tem universidades, licenciados e mestrados a rodos, muitos dos quais estão desempregados ou mal-empregados. Como se isto não bastasse, governa um país que, do ponto de vista demográfico, está velho e em rotura com o Estado Social. Por estas razões, Portugal enfrenta um grande dilema: que fazer, numa altura em que se vive uma grave crise financeira, sob o espectro da recessão que paira sobre a Europa e os Estados Unidos.

Noutras épocas, perante este cenário, as grandes potências já tinham provocado uma guerra mundial e das cinzas erguer-se-iam novos arranjos à custa de milhões de mortos. Actualmente, as grandes potências têm optado por guerras cirúrgicas, conectadas com países ricos em petróleo e gás natural, às quais Portugal se agarra como velcro, mas a avidez tem tido custos elevados e maus resultados. Que o digam as campanhas do Iraque e do Afeganistão e as revoltas no mundo árabe, que não se sabe como vão acabar.

Mas o dragão que fala alto chama-se China, que acaba de comprar a EDP (Energias de Portugal) certamente como plataforma para voos mais longínquos. A EDP actua na Península Ibérica, no domínio da geração e distribuição, com uma posição de controlo na espanhola HC Energia, detendo ainda presenças importantes nos Estados Unidos, Brasil, África e Macau, não só nos domínios da geração e distribuição, mas também no campo dos negócios comerciais. «Deixem a China dormir porque, quando ela acordar, o mundo vai estremecer» profetizou Napoleão. Os produtos “Made in China” dominam por todo lado. As empresas americanas ganham rios de dinheiro à custa da barata mão-de-obra oriental, mas os americanos vão acabar por pagar, sem direito a demasia, a paciência chinesa. Aliás, a China já é detentora da maior parte da gigantesca dívida soberana dos Estados Unidos da América

O mundo está a resvalar para maus caminhos e Portugal está inserto na derrocada. Não admira, por isso, que Passos Coelho se aproprie de ideias de Salazar. Muita água vai passar por debaixo das pontes, até voltarmos a ter uma oportunidade de futuro e essa oportunidade não se afigura poder ser europeia. Eventualmente, terá o bafejo do Atlântico Sul ou, quem sabe, se de mais além!

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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