Paulo Rebêlo 15 de janeiro de 2016

(www.rebelo.org)

Não faz muito tempo e a gente ia ao médico apenas para ouvir a pergunta: faz exercício físico regularmente ou é sedentário?

Aquilo já me irritava sobremaneira. Não havia meio termo. Ninguém quer saber se a gente faz exercício quando dá tempo, quando não tem deadline, quando o parque ainda está aberto. Ou você é saudável ou é sedentário, um preguiçoso que passa o dia inteiro vendo televisão e comendo batata-frita com Baré Cola.

Bons tempos foram aqueles.

Hoje eles querem saber quais são os meus hábitos alimentares. Se incluo frutas e verduras na minha dieta. Se corto frituras e gorduras. Se evito sal, açúcar e enlatados.

Tento explicar que não faço nada disso porque, se o fizesse, certamente estaria pensando em suicídio.

Mas eles não escutam. Pior ainda, agora o enxerimento foi além da linha vermelha e querem saber como anda minha vida sexual.

Doutor, minha vida sexual não anda, ela deita. Quando dá tempo, quando não tem deadline, quando o parque está aberto para mim.

O dente dói. Vou à dentista e a ninfeta acha que por ser novinha e bonita tem o direito de influenciar meus hábitos de quatro xícaras de café e um litro de Coca-Cola por dia. Reclamo com a secretária: gostei do decote, mas estou pagando para cuidar dos dentes, não da minha educação alimentar.

A criatura insiste nessa história de clareamento dos dentes, como se eu fosse ator de novela ou garoto propaganda da Kolynos. De graça ela não faz.

Os olhos já não descansam tão bem quanto antes. Vou ao oculista. Ele pergunta se durmo com as lentes de contato. Respiro fundo, olho para a caixinha com as malditas lentes onde tem escrito em letras garrafais: “lentes descartáveis”.

Se uso lente descartável, é óbvio que durmo com as lentes quando chego bêbado em casa. Não, eu não faço sexo com as lentes, se é isso que ele gostaria de saber por “dormir com as lentes”. Sei lá, o outro médico queria saber das minhas atividades. Mas se eu trepasse com as lentes, também seria deitado, não andando.

Dia desses senti uma pontada no peito que me deixou dois minutos sem respirar. Me senti uma vaca no espeto do rodízio e não tive força nem para mugir. Vou ao cardiologista, que receita um teste ergométrico. Ok.

A enfermeira boluda chega com um prestobarba usado e enferrujado para raspar meu peitoral sedentário. Sem cuspe e sem creminho. E depois que vê tudo vermelho ainda pergunta: tá coçando muito?

Dá vontade de dizer: coça aqui que passa.

Depois de abrir seis buracos na montanha peluda, ela pergunta se pode colocar os eletrodos para o teste. Não, não pode, afinal estou aqui só pelo prazer de ser mutilado com um prestobarba da Idade Média para ir desfilar na praia de Boa Viagem sem camisa.

Em cima da esteira, pareço mais um hamster preso na gaiola tentando aguentar dois minutos seguidos correndo cheio de fios ao redor. Tento visualizar uma fatia de bacon na janela para correr mais, mas aparentemente isso só funciona nos desenhos animados.

A senhora médica fica de frente ao computador apertando uns botões (aposto que era Paciência) e fazendo de conta que não vê como estou suando feito um porco condenado ao abate, com a língua para fora e quase desmaiando. E mesmo assim tem a petulância em perguntar: você está cansado?

Não, minha senhora. Não estou. Quero que a senhora coloque essa esteira na potência máxima, na velocidade hot nível 3 duplo escarpado, para que eu possa finalmente enfartar aqui na sua frente, cair no chão puxando todos os fios e causando um curto-circuito que vai incendiar toda a clínica, os bombeiros não vão conseguir chegar por causa do maldito engarrafamento desta cidade e a senhora vai ficar aqui agarradinha comigo nessas chamas da paixão.

Ela me libera e diz que está tudo bem com meu coração. Não sei exatamente em qual sentido, mas pouco importa.

Vou ao dermatologista para saber se o caroço escuro e perebento que surgiu na minha testa é câncer, velhice ou chifre. Talvez um pouco dos três.

Não é nada, ele diz. Como não é nada? Ontem eu tinha uma testa, hoje eu tenho um caroço gigante e um pouco de testa ao redor. Mas não é nada, ele insiste. Passa um creminho aí, é só mancha.

Saquei tudo. Deve ser gaia e ele quer me poupar do estresse com medo que eu enfarte no consultório dele também.

Ele não se solidariza e quer saber se uso protetor solar todos os dias. Talvez eu tenha cara de surfista ou um bronze de quem passa o dia levando sol na praia. De peito raspado, é claro. E trepando. Na areia. Em pé.

O pelotudo insiste. Por que não uso boné para proteger a careca? Não sei, doutor. Talvez porque eu não seja jogador de beisebol. Talvez porque já tenha passado dos quinze anos. Por que o senhor é careca e não usa boné também?

Agora preciso ir ao urologista, mas antes vou deixar o testamento pronto.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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