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A vendedora de frutas me chama de meu lindo. Não que eu o seja. É o tratamento carinhoso de quem quer ser simpático ao freguês. Não caio no elogio, mas me viciei em só ali comprar mamão, da mesma forma que já tenho a barraca certa das verduras. O hábito que se repete, e, como sabiamente apregoa o técnico de futebol, em time que ganha não se mexe. A mesma coisa. A vendedora de laranjas, que eu prestigiava quando não se vendia laranjas, em sacos, pelas ruas, – que agora dou plena e total preferência -, sempre me perguntava por Pedro, que, lá, ao meu lado, só apareceu uma vez, o suficiente para ela não esquecer o nome. Já em outra feira, o vendedor de verdura  é quase um nutricionista, a recomendar o uso do tomate no suco, ao lado da laranja, como algo absolutamente saudável. E observem os senhores que nem ler sabe direito, nem nunca deve ter aberto um livro.  A sabedoria vem no sangue: é de Itabaiana.

Na barraca onde há mangaba, que ainda rareia -, me espanto com o preço. De três reais a lata bem miúda, da semana passada, agora passa para quatro reais. Na próxima semana, estará a cinco e assim sucessivamente. Consigo três latas por dez reais. Mas, enquanto a vendedora embala as mangabas, uma senhora pergunta o preço. Com a resposta, a freguesa faz outra indagação: e é ouro? Sinal que a inflação começa a acelerar o galope.

Mas é na barraca de vender galinha – tudo bem guardado em geladeiras  ali instaladas – que se passa um fato interessante. A vendedora a esquartejar a galinha, os pedaços bem separados, de modo que, em casa, só se tem o trabalho de lavar, colocar na panela e temperar. A vendedora, bem, farta de carnes, mulher rígida, dessas que nasceram para parir, como diria Eça de Queiroz, pergunta ao freguês que se fixa a frente de sua barraca. E aí, amor, o que deseja? E, ele, prontamente, falando bem alto e bem articulado, para ser claro, responde: você. Ela pára por alguns segundos, o olhar se perde no infinito, a faca tem sua atuação suspensa, até voltar a cortar a galinha e a tirar o couro, deixando escapar na boca carnuda um sorriso que a gente lê como de satisfação, pelo que ouviu, um sim silencioso, como se tivesse lhe invadido o corpo para um abraço voluptuoso, a mexer com todos os músculos do corpo. Eu vi e percebi.

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Obs: Publicado no Correio de Sergipe
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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