Frei Betto 1 de janeiro de 2016

Foto FBetto

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Sentado no Boteco do PT, entre 2003 e 2014, o brasileiro escolheu iguarias no cardápio, fartou-se e dependurou a conta – que chegou em 2015! O freguês se espantou: Como? Os preços do cardápio eram baratos!

Ora, explicou a gerente do boteco, já não tenho crédito e tudo sobe – a luz, o gás, o telefone. Veja a inflação! Acha que compro, hoje, alimentos pelo mesmo preço que no passado? Já tive que despedir vários empregados.

A crise brasileira é a crise da democracia virtual que predomina no Ocidente. Desde quando se introduziu o sufrágio universal, a suposta democracia política jamais coincidiu com efetiva democracia econômica.

Na economia capitalista não existe democracia. Existe apropriação privada, competitividade, submissão aos ditames do mercado e não aos interesses da nação. Todas as vezes que se fala em democratizar a economia, como uma simples distribuição de renda, as elites puxam as armas – golpes de Estado, evasão de divisas, guerras. Hitler e Mussolini que o digam. Jamais teriam feito o que fizeram se não tivessem contado, no início de seus mandatos, com a cumplicidade das elites europeias e estadunidenses.

O PT conhecia as regras do jogo da democracia virtual. Por isso, lançou a carta ao poder econômico na campanha presidencial de 2002, conhecida como “Carta ao povo brasileiro”. Em 12 anos de governo, o Partido não promoveu nenhuma reforma estrutural, para não ameaçar o quinhão das elites. No entanto, implantou políticas sociais que, de fato, livraram da miséria 45 milhões de brasileiros.

A falta de reformas, como a agrária, impediu que as políticas sociais ganhassem sustentabilidade. E o Brasil prosseguiu na dependência do modelo econômico neocolonial: exportação de produtos primários e matérias-primas (hoje, commodities), captação de capital externo etc. Basta lembrar que, nos últimos 12 meses, o governo pagou ao sistema financeiro, de juros da dívida pública, R$ 510 bilhões, cinco vezes mais que o orçamento anual da Saúde, que é de R$ 100 bilhões.

O poder econômico aceita tudo, menos a redução de sua margem de lucros. Por isso, compra políticos e juízes, contrata lobistas, distribui propinas, interfere nas leis, manipula o noticiário. Acuado, o governo, vendo o boteco vazio, entregou a ele o controle da política econômica – o ajuste fiscal, que penaliza apenas os mais pobres. Ora, o poder econômico é ganancioso. Agora quer também o poder político. Daí a tentativa de impeachment de Dilma, cujo fiador é o PMDB.

O PMDB vive o drama hamletiano: presidir ou não, agora, o Brasil? Se Michel Temer deixar passar o cavalo encilhado que se apresenta à sua porta, pode perder a única oportunidade de se tornar presidente e, quem sabe, retornar eleito em 2018 se lograr salvar o boteco da falência. Se montar, sabe que corre o risco de ter em mãos um boteco inadimplente, com a crise se arrastando até 2018, vários partidos da base aliada lhe fazendo oposição, e o Executivo obrigado a saciar a gula infindável de seus correligionários por cargos e benesses.
Quem sobreviver, verá.

Obs: Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil- o mistério das cabeças degoladas” (Rocco), entre outros livros.

twitter:@freibetto.

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