[email protected]
dirceubeninca.wordpress.com
Havia um país cuja população desejava muito ver a “banda” passar. E ela, a modos e tempos diversos, se apresentava. Porém, chegou o dia em que um grupo entendeu que mais gente podia ou devia participar da banda como membro ativo. Foi então que, utilizando os recursos disponíveis, aliás, já disponíveis a muitos, resolveu fazer a articulação. Tal mobilização não foi difícil nem demorada, pois um grande número de pessoas estava na “rede” e, em seguida, milhares se foram às ruas. Em princípio era para tocar uma determinada “música”. Porém, rapidamente a banda ganhou corpo e aí mesmo, na rua, foram sendo ensaiadas e executadas várias outras músicas.
Ao toque de “vem pra rua”, cada um tomou seu “instrumento”, saiu às pressas e pôs-se a tocar. Ocorre que havia instrumentos afinados e outros dissonantes; uns emitiam sons num mesmo ritmo e compasso e outros foram apresentando sua própria composição no tom e ritmo de livre escolha. Alguns, inclusive, ao invés de tocar, puseram-se a quebrar em público seu instrumento e o dos outros. E, a olhar para o que estava em curso, alguns diziam: Nesta grande banda tudo parece válido, ou seja, tanto a música quanto a bandalheira. Outros tantos se puseram a fazer imediatas análises e interpretações, afirmando: Isso é um perigo iminente, pois não há um maestro, um líder – ao menos não em destaque – podendo a massa, descontroladamente, tocar qualquer estilo musical ou emitir toda sorte de ruído.
Enquanto a banda está passando, tudo é possível e pouca coisa é previsível. Nesse ambiente, podem surgir uns e outros a dizer: Vamos todos tocar essa ou aquela música, com este ou aquele ritmo e tonalidade. Diante disso, tanto pode haver concordância quanto reação contra o propositor, com desdobramentos variados. Em tais circunstâncias, também há possibilidade de que surjam outros “maestros” com outras proposições musicais. Se isso ocorrer e houver um mínimo de organização, a grande banda poderá se segmentar em várias bandas menores (com suas bandeiras), o que talvez seja muito interessante. E ainda mais o será se cada grupo conseguir uma boa afinação e um bom repertório, o que, certamente, exigirá vários ou muitos ensaios.
Esse país em referência pode ser o Brasil, em junho de 2013. O mês, em si, é carregado de composições folclóricas e festivas que se exprimem em todo território nacional. Ocorre que, além das festas, houve e há lutas e reivindicações justas, legítimas, democráticas e necessárias. Mas, no mesmo “concerto” verifica-se também violência e depredação do patrimônio público e privado. Há banda e bandalheira, música e barulho, fumaça e fogo, ordem e desordem. Tudo simultaneamente e com transmissão espetacularizada, em tempo real, pela grande mídia que também dá o seu tom. Na lógica de que não há mudança da música ou da dança sem o necessário questionamento ou subversão da ordem vigente, a questão é saber como proceder para que o resultado da ação seja melhor do que a (des)ordem existente.
As manifestações sociais que eclodem pelo país derivam de um fenômeno mais amplo, cuja matriz estruturante é a condição pós-moderna associada às profundas contradições do sistema capitalista. É inegável que, não obstante os múltiplos avanços sociais havidos nos últimos anos, o Brasil ainda segue tendo índices muito aquém do desejado na área da educação, da saúde, do transporte, da ética na política, etc. Os movimentos sociais são prova disso na medida em que sua ocorrência revela a existência de algum tipo de problema, demanda, carência ou direito negado. Eles “são a mensagem daquilo que está nascendo. Eles indicam uma transformação profunda na lógica e nos processos que guiam as sociedades complexas. Como os profetas, ‘falam à frente’, anunciam aquilo que está se formando sem que ainda disso esteja clara a direção e lúcida a consciência” (MELUCCI, Alberto. A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas, 2001).
No contexto da ditadura militar no Brasil, surgiram formas de manifestação reativas ao poder repressivo, que se consolidaram em movimentos sociais, organizações populares (civis e eclesiais), sindicatos combativos, partidos políticos de esquerda e instituições diversas, responsáveis pela conquista de muitos direitos. Entre aquele período e hoje há continuidades e descontinuidades. Das continuidades que parecem evidentes está a consciência de que somente através da luta é possível conquistar direitos e qualificar a democracia direta sob o ponto de vista social, político e econômico. Das diversas descontinuidades, uma chama atenção: a dificuldade de aceitação das bandeiras de movimentos sociais, sindicais e políticos nas atuais manifestações. Referidos movimentos (com suas bandeiras) teriam agora perdido o sentido, a legitimidade e a razão de ser?
É difícil saber para onde vai a banda que está passando. Todavia, no momento em que passa é possível incorporar-se a ela, ficar na arquibancada ou apenas acompanhar à distância. No calor dos acontecimentos permanecem indagações como: Após a passagem da grande banda, teremos os atuais movimentos sociais mais fortalecidos e, junto com eles, outros novos ou novíssimos movimentos? Ou, ao contrário, tudo voltará ao fugaz, difuso e “liquidificado”, ao gosto da pós-modernidade? Ou, diferente ainda, tais manifestações serão apropriadas por maestros com tendências nacionalistas, golpistas e extremistas, como temem alguns? Por ora, ao analista somente parece claro que tudo está muito escuro e ambíguo. Muitas coisas ficarão esclarecidas depois que a “banda” passar. Mas, será salutar que passe ou que permaneça? De todo modo, não nos esqueçamos de que, se desejamos um repertório democrático com mais justiça social, ética e cidadania, nossa luta é todo dia! (24.06.2013)
Obs: O autor é Doutor em Sociologia, pós-doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia.