O calor, quando chegou, veio forte, o bafo quente a mostrar que o Inferno estava bem próximo. Em Frankfurt e em Colônia, depois das dezoito e meia da noite – que não era noite ainda, lá – o sol queimava, o que me fazia concluir que Mossoró e Serra Talhada, na pior fase do verão nordestino, estariam cobertas de verdadeiro complexo de inferioridade. Aliás, para o Inferno faltaria a gente ver a fogueira e o Satanás de garfo grande na mão.
Em Colônia, a fonte, ao lado esquerdo da Catedral, serviu de refrigério para muitos jogarem as pernas dentro. Pai e filho se despojaram das camisas para brincar na água, como eu, menino, ficava esperando a cisterna lá de casa sangrar, mercê da água que a chuva trazia, para tomar banho, à míngua de chuveiro. Tudo, por aquelas longínquas bandas, para abrandar o calor. Adiante, na beira do Rio Reno, uma fonte cheia de meandros e de entrâncias, atraia pessoas de todas as idades, inclusive mulheres mulçumanas de longas abayas, a tarde esticada, a refrescar as pernas, enquanto crianças, de cuecas e calcinhas, corriam de um lado e de outro.
Mas, foi em Frankfurt, a cena poética, no centro histórico, o sol ainda bem forte, a água, numa praça, com os chuveiros que, numa pequena área, jogavam água para cima. Crianças brincando para lá e para cá, em tornos dos jorros de água. A jovem se aproxima. Deixa no chão seus pertences, e, ingressando no meio dos jorros, se inclina para colher água com as mãos e passar em seu rosto. Ao inclinar, o decote do vestido se alarga, os seios se esticam, voltados para o chão, colorindo a paisagem de uma sensualidade, casta e espontânea, que poucas cenas do cinema conseguem reproduzir. A jovem, depois, pega seus pertences de volta, retornando sua caminhada, os seios, cobertos pelo vestido, balançando, suavemente, no seu passo célere.
Além de mim, ali fixo, nenhuma outra testemunha. Calado estava, deslumbrado fiquei, me vindo à tona uns versos de Cruz e Souza, que aprendi nos tempos do curso clássico, versos que, na prova oral, procurando encher espaço ao ser arguido, em Literatura Brasileira e Portuguesa, no vestibular de Direito, por Cabral Machado, recitei, de modo bem enfático: Brancas formas, formas brancas… O mais não me lembro. A visão de hoje apagou o poema de ontem.
Obs: Publicado no Diario de Pernambuco.
Membro das Academias Sergipana e Itabaianense de Letras.